Alerta amarelo: reconhecendo a atresia biliar precocemente

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17 de outubro de 2016 – Ano 4 – nº 36. Boletim Online

Eleonora Druve Tavares Fagundes, Alexandre Rodrigues Ferreira, Thaís Costa Nascentes Queiroz –Ambulatório de Hepatologia Pediátrica do Hospital das Clinicas da UFMG

A atresia biliar é bastante freqüente no período neonatal. Até 60% dos recém-nascidos a termo apresentam icterícia nos primeiros dias de vida; nos prematuros este índice pode chegar a até 80%. Nestes casos, a maioria absoluta se deve a hiperbilirrubinemia indireta.

Cerca de 2,5 até 15% dos recém-nascidos mantém icterícia após 14 dias de vida. É este o grupo que merece maior atenção, pois as causas de hiperbilirrubinemia indireta em geral cursam com desaparecimento da icterícia até o final da segunda semana de vida, exceto em prematuros e na icterícia por leite materno – situações em que não ocorre colúria, hipocolia ou acolia fecal. Por isto, é imprescindível a diferenciação entre icterícia por hiperbilirrubinemia indireta e hiperbilirrubinemia direta, com a dosagem de bilirrubinas e a verificação da cor das fezes e urina (figura 1).

atresia fluxograma
Figura 1- Fluxograma para a investigação da icterícia neonatal

 O que caracteriza a atresia biliar?

  • Icterícia
  • Hepato/espenomegalia
  • Colúria
  • Hipocolia/acolia fecal: usar a escala colorimétrica das fezes da Caderneta de Saúde da Criança, do Ministério da Saúde, página 29. Nesta seção, são relatados os sinais de perigo para crianças menores de 2 meses; a cor das fezes está entre eles (figura 2).
  • Aumento da bilirrubina direta ≥ 20% da bilirrubina total ou > 1mg/dl se bilirrubina total < 5 mg/dl.
  • Aumento das enzimas hepáticas: aminotransferases, GGT e fosfatase alcalina
atresia biliar fezes
Figura 2 – Escala colorimétrica das fezes – disponível na Caderneta de Saúde da Criança do Ministério da Saúde, página 29.

São várias as causas de colestase:

  • Infecciosas
  • Genético-metabólicas
  • Cirúrgicas – a principal é a atresia biliar (até 40% dos casos de colestase)
  • Tóxicas
  • Multifatoriais
  • Idiopáticas – hepatite neonatal idiopática

No entanto, a prioridade são as causas clínicas e cirúrgicas tratáveis. As doenças metabólicas e infecciosas, como a sepse, determinam quadros com comprometimento do estado geral e do ganho de peso, presença de vômitos, hipoglicemia. Como são quadros muito sintomáticos, geralmente são precocemente detectados pela família e pela equipe de saúde. Nestes casos, o desafio pode ser a determinação da causa etiológica.

Por outro lado, ainda é um problema mundial o diagnóstico tardio da atresia biliar. A média de idade a cirurgia no Brasil é de 82,6 dias, bem acima a da literatura: 57 dias na França e 61 dias nos EUA. No HC-UFMG, houve redução da idade média nos últimos 14 anos, de 93 para 71 dias. Apesar da melhora, ainda está aquém do ideal. É bem relatado que o sucesso na cirurgia depende da idade cirúrgica, com até 70% de fluxo biliar se for realizada antes dos 60 dias de vida, e de apenas 25% após 90 dias de vida. A ausência de sucesso da cirurgia determina indicação mais precoce para o transplante hepático e todas as complicações advindas.

O desafio é que o lactente com atresia biliar parece “sadio” nos primeiros meses de vida, exceto pela icterícia que prolonga além de 14 dias. Ganha peso, tem bom estado geral. Mas já chama atenção a colúria, hipocolia ou acolia fecal. Neste último caso, é imprescindível observar as fezes e não apenas colher o relato dos responsáveis. Mais uma vez a escala colorimétrica é bastante útil (figura 3).

fluxograma atresia biliar
Figura 3 – Características da colestase de causa cirúrgica e clínica

O que é o Alerta amarelo?

Trata-se de uma campanha iniciada na Inglaterra em 1993, de esclarecimento aos médicos de atenção primária, em relação à importância da investigação etiológica de icterícia em bebês com idade acima de duas semanas de vida. O “Alerta Amarelo” permitiu que o índice de crianças submetidas ao tratamento cirúrgico antes dos 60 dias de vida passasse de 15%, em 1974, para 60% em 1995 e, atualmente, a média de idade para a cirurgia é de 54 dias de vida. Experiências exitosas também são relatadas no Japão e Taiwan.

No Brasil, campanhas de esclarecimento similares ao “Alerta Amarelo” foram lançadas em nosso meio. No entanto, nossas estatísticas ainda são muito aquém do ideal. Desta forma, é importante que a comunidade, o pediatra, o médico da atenção primária e toda a equipe de saúde estejam conscientes da importância do tema. Não podemos perder oportunidades, na alta da maternidade, de divulgar as orientações para as mãe e cuidadores. Em toda consulta do recém-nascido e lactente, em todo procedimento no Centro de Saúde, por exemplo, na vacinação, é importante estar vigilante e detectar lactentes que mantenham icterícia além de 14 dias e que tenham colúria e hipocolia ou acolia fecal. Devemos ser multiplicadores do “Alerta Amarelo”. Uma vez identificada, a colestase deve ser prontamente avaliada por equipe especializada. Exemplos da Inglaterra e Taiwan, com o alerta amarelo, mostram que é possível mudar a situação com iniciativas simples.

Bibliografia

  • Fawaz R, Baumann U, Ekong U, Fischler B, Hadzic N, Mack CL, et al. Guideline for the Evaluation of Cholestatic Jaundice in Infants: Joint Recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (NASPGHAN) and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2016 Jul 16.

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