Considerações sobre autonomia da criança e do adolescente

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autonomia nos cuidados paliativos pediátricos

O cuidado paliativo pediátrico apresenta particularidades em relação ao cuidado paliativo adulto. Uma delas se refere a autonomia. É consenso entre os bioeticistas que o respeito à autonomia é um dos pontos básicos no qual se fundamentam as relações humanas.

De fato, não é possível falar em respeito ao ser humano a ele se quiser impor uma decisão (de outro ser humano) que, mesmo tendo como objetivo beneficiá-lo, vai contra o seu discernimento.

Todos devem ser tratados como agentes autônomos; quando a autonomia está diminuída, estamos diante do direito à proteção. Autonomia e proteção são dois princípios correlatos, ambos visam o melhor para a pessoa.

O respeito à autonomia de uma criança ou de um adolescente é entendido a partir do conhecimento da evolução de suas competências (capacidade de decidir) nas diferentes idades.

A questão da autonomia na pediatria deve ser vista na perspectiva do cuidado centrado na família – essencial para um adequado cuidado da criança/adolescente. Essa perspectiva de cuidado da saúde garante o reconhecimento da família como essencial para o bem estar da pessoa e tem como objetivo se beneficiar de relações de colaboração entre a pessoa, família e provedores para a tomada de decisões e elaborações de planos de cuidado.

Os integrantes da família compartilham das vivencias de adoecimento com a crianças/adolescente e, portanto, têm (e compartilham) compreensões sobre as necessidades, demandas e desejos no processo de uma doença crônica progressiva. A tomada de decisões representa, então, um desafio, pois há questões éticas importantes quando se trata de envolver de maneira significativa as crianças e os adolescentes nos processos de decisão. A questão ética fundamental é: qual é a capacidade da criança/adolescente e da família para participar do cuidado?

Capacidade de decidir é um conceito psíquico; já a competência de decidir é conceito jurídico (arbitrado pela sociedade). Há crianças com capacidade de decisão, mas legalmente sem competência para tal. A legislação cria a necessidade de crianças e adolescentes terem representantes aptos a decidir e responder por eles.

Em relação à aquisição de capacidades a criança, a partir do nascimento, passa por fases de dependência dos cuidados para progressivamente ir se posicionando como autônomo na tomada de decisões de sua vida. Não devemos considerar as crianças e os adolescentes incapazes e indefesos, sempre necessitados do discernimento de um adulto; durante o seu processo de desenvolvimento sempre sabem algo sobre si mesmos. Não são nem plenamente incapazes nem plenamente capazes; este o dilema central do exercício da autonomia na pediatria.

A direção ética do cuidado se dá na construção do conceito de autonomia considerando a fase de desenvolvimento em que a criança ou o adolescente se encontram e quais as capacidades de decisão eles apresentam em relação às demandas clínicas.

Deve-se considerar que a aquisição das competências é progressiva e se dá a partir da elaboração de vivencias. Sofre influência ambiental e genética sendo, portanto, adquirida de maneira singular em tempo individualizado e independentemente da idade cronológica da criança ou adolescente.

A partir da perspectiva do cuidado centrado na família, a pergunta sobre a participação da criança e do adolescente na tomada de decisões, deve ser respondida buscando fazer a interpretação adequada da legislação e o dimensionamento entre a decisão dos pais ou responsáveis e da capacidade de decisão da criança ou do adolescente. Cabe reconhecer crianças e adolescentes aptos a decidir sobre situações existenciais sem a representação de um adulto, independente de necessitar de assistência para tal. A avaliação deve ser feita considerando o diagnóstico, o momento da evolução da doença, a equipe de assistência, os medos e esperança da criança/adolescente e da família.

Deste modo, mesmo que resulte em situações de conflito entre as posições, servirá de embasamento para um trabalho, muitas vezes exaustivo, de apresentação, de reflexão e de discussão de argumentos e fatos, capaz de conduzir a uma decisão amadurecida e o mais isenta possível, que, respeitando a posição da criança ou do adolescente, poderá efetivamente redundar em seu benefício.

Joaquim Antônio César Mota e Tatiana AmaralComitê de Cuidados Paliativos da SMP

Referências

1. Care of the Dying Adolescent: Special Considerations http://pediatrics.aappublications.org/content/113/2/381.full.html . Downloaded from pediatrics.aappublications.org by guest on June 6, 2011.

2. Leone C. A criança, o adolescente e a autonomia. Disponível em: http://www.revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewArticle/324.

3. http://pediatrics.aappublications.org/content/133/Supplement_1/S16.full.html

4. O Princípio de Autonomia na Adolescência Revista – Centro Universitário São Camilo – 2014;8(4):464-466.

5. Conflitos éticos no atendimento à saúde de adolescentes. Tarquette, SR Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(6):1717- 1725, nov-dez, 2005.

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