Dor Abdominal Crônica

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20 de janeiro de 2014 – ano 2 – nº 10. Boletim Científico Online

Marco Antônio Duarte

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A primeira definição de “Dor Abdominal Recorrente” foi proposta por Apley e Naish, em 1958. As crianças eram acometidas por três ou mais episódios de dor no abdômen, em período não inferior a três meses, graves o suficiente para interromper suas atividades habituais.

Entre as crises, o paciente encontra-se assintomático. Apesar deste conceito ser empregado com frequência, abrange tanto processos orgânicos como funcionais, com sinais e sintomas diversos.

Entretanto, em 2005, a Subcomissão de Dor Abdominal Crônica da Academia Americana de Pediatria e da Sociedade Norte-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátricas normatizaram esses processos dolorosos. Foi definido como “Dor Abdominal Crônica” (DAC) as dores abdominais de padrão contínuo ou intermitente (longa data). Quando era determinada uma causa anatômica e/ou bioquímica tratava-se de “Dor Abdominal Orgânica” (DAO). Os processos de algia sem diagnóstico etiológico foram classificados como “Dor Abdominal Funcional” (DAF).

As DACs acometem 0,5% a 19% de crianças entre 4 e 16 anos, com maior incidência de 4 aos 6 e de 8 aos 12 anos. Afetam com igualdade ambos os gêneros até 9 anos, após esta idade torna-se mais frequente em meninas (1,5:1). Têm distribuição cosmopolita. Causam sofrimento prolongado nas crianças, pais, cuidadores e familiares, principalmente quando a etiologia não é de pronto esclarecida ou o tratamento não produz resposta imediata.

As causas orgânicas estão presentes em 5% a 15% dos pacientes com Dor Abdominal Crônica em ambulatórios de cuidados primários, dependendo das doenças prevalentes. As etiologias mais citadas são: constipação intestinal crônica, refluxo gastroesofágico, intolerância ontogenética à lactose, parasitoses intestinais, alergia à proteína do leite bovino e soja, doenças das vias urinárias, doença celíaca, anemia falciforme, úlcera gástrica ou duodenal por Helicobacter pylori, dismenorreia, medicamentos e drogas, doenças inflamatórias intestinais e esofagite eosinofílica.

O médico deve atentar para os sinais de alerta de causas orgânicas para a dor (Tabela 1).

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Tabela 1 – Achados ao exame clínico sugestivo de etiologia orgânica da dor abdominal crônica

As crianças com Dor Abdominal Orgânica (DAO) têm tratamento diferenciado para cada etiologia do processo doloroso.

Os pacientes com Dor Abdominal Funcional  (DAF) têm maior prevalência de cefaleia, dor articular, anorexia, vômitos, náusea, gás em excesso, movimentos intestinais sintomáticos, ansiedade e depressão. Os pais estão atormentados, ansiosos e/ou deprimidos. As publicações sobre essas dores são insuficientes e ambíguas. O desconhecimento dos profissionais da saúde leva a uma abordagem inadequada, frustração e dispêndio do tempo do médico.

Diante de um diagnóstico de DAF, deve-se informar ao enfermo, cuidador e familiares que a dor realmente existe, apesar de não ter sido encontrada alteração orgânica. Tranquilizar sobre a ausência de doença grave e que a algia é benigna e transitória, terminando, muitas vezes, até a adolescência. Retirar do paciente toda a responsabilidade e culpa, aumentando sua autoestima.

Trata-se de resposta do organismo a estímulos internos e externos. Introduzir o conceito de doença funcional e das possíveis patogêneses: disfunção da motilidade, hipersensibilidade visceral e / ou alteração SNC – tubo digestivo.

Evitar o rótulo de doença psicológica. Ensina-se a reconhecer a presença de fatores fisiológicos que, muitas vezes, nestes pacientes causam dismotilidade: alimentos, gases, hormônios, inflamação, estresses psicogênicos. Orienta-se sobre a importância de observar e comunicar o aparecimento de sinais de alerta para causa orgânica. Evita-se dar um diagnóstico se houver suspeita de resposta a placebos.

Se necessário, mantém-se um segmento destes pacientes. Muitos, próximo a um terço, apresentam diminuição da frequência das crises após a primeira entrevista médica com estes esclarecimentos e orientações. Estas condutas são denominadas de procedimentos pediátricos padrão.

Atualmente, o tratamento cognitivo e comportamental tem sido a terapia mais promissora para essas crianças. Cognição é termo genérico, que abrange a qualidade do conhecimento incluindo percepção, reconhecimento, compreensão, julgamento, sensação, racionalização e imaginação. Incluem as suposições, crenças, compromissos e significado que influenciam a maneira das pessoas de perceber e interagir com o mundo.

As técnicas cognitivas têm como objetivo atenuar ou inibir no paciente os conceitos e percepções do processo doloroso. Por exemplo, tornam a criança total ou parcialmente focada em outros pensamentos e/ou imagens. Então, ela fica incapaz de atender e perceber a dor em sua real intensidade. Os procedimentos cognitivos reduzem a percepção álgica, atuando nas suas experiências psicológicas e sistema opióide e não opióide da supressão dolorosa.

As técnicas cognitivas objetivam distração e mudança da atenção durante as crises de dor. Interromper o pensamento e imaginar situações agradáveis, quando pensar na possibilidade de ter outros episódios de algia. Objetiva, durante a crise de algia, manter o paciente total ou parcialmente focado em outro pensamento ou imagem. Esta concentração mental seletiva bloqueia ou diminui sua percepção da dor.

Os procedimentos comportamentais atuam nos “comportamentos” e atitudes de adultos e crianças que iniciam, mantêm e exacerbam a percepção dolorosa. Eles intervêm na atividade física, alteram as atitudes dos pacientes e cuidadores para prevenir ou ter postura adequada frente a uma situação de dor.

O paciente adquire melhor relaxamento muscular e comportamentos que atenuam o processo de algia. O medo e a ansiedade diminuem. A redução da dor ocorre devido ao aumento da atividade física, diminuição das posturas corporais inadequadas, redução das tensões musculares e restrições físicas. A prática de comportamentos mais adequados frente a situações de dor e a oposição a atitudes mentais e sociais que amplificam a percepção álgica também atenuam o processo de algia. Os processos fisiológicos decorrentes destas técnicas inibem regiões límbicas (reduzindo a ansiedade e excitação) e ativam os sistemas opióides e dopaminérgico da supressão dolorosa.

No tratamento familiar, as técnicas do comportamento objetivam tornar a criança agente ativo na superação da algia. Devem levar vida normal e não interromper atividades durante a crise de dor. Os ganhos secundários abolidos e incentiva-se o relaxamento muscular e a prática de exercícios físicos. Os pais devem ser excluídos do processo de enfrentamento da dor pelo paciente. Objetivam modificar no paciente e cuidadores comportamentos e interações errôneos que iniciam, mantêm e/ou exacerbam a dor. Tornam as crianças mais ansiosas, medrosas e estressadas, mantendo o processo de algia. Causam também tensão muscular e/ou posturas restritivas. Estas levam a impulsos sensoriais inadequados que aumentam a percepção dolorosa.

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Resumindo o tratamento Cognitivo e Comportamental:

Hipótese: As técnicas cognitivas e comportamentais irão aliviar a percepção dolorosa de crianças, devido a mudanças no enfrentamento do paciente e cuidadores frente à dor abdominal funcional.

Síntese dos procedimentos: Frente ao processo doloroso, a criança desenvolve imaginação direcionada e relaxamento muscular progressivo; seus cuidadores adquirem comportamentos saudáveis e naturais.

Resultados: Tornam o paciente e familiares mais conhecedores e realistas sobre percepção dolorosa e seu controle. Aprimoram técnicas de enfrentamento da dor reduzindo o significado aversivo desta experiência sensorial e psíquica.

E se não for feito nada por essas crianças? Qual é a evolução da Dor Abdominal Crônica? Gieteling MJ et al (2008) avaliaram dezoito estudos onde 1331 crianças com essas dores, sem sinais de alerta para causas orgânicas, foram observadas em média por 5 anos (1 – 29). Após esse tempo, 29,1% continuavam a sentir a dor. Os testes complementares não influenciaram no prognóstico.

Referências Bibliográficas:

  1. American Academy of Pediatrics Subcommittee on Chronic Abdominal Pain; North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. Chronic abdominal pain in children. Pediatrics 2005;115:e370-81
  2. Duarte MA, Penna FJ, Andrade EMG, et al. Treatment of Nonorganic Recurrent Abdominal Pain: Cognitive-Behavioral Family Intervention. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2006; 43:59-64.
  3. Berger MY, Gieteling MJ, Benninga MA. Chronic abdominal pain in children. BMJ 2007;334:997-1002.
  4. Sprenger L, Gerhards F, Goldbeck L. Effects of psychological treatment on recurrent abdominal pain in children – a meta-analysis. Clin Psychol Rev. 2011 Nov;31(7):1192-7.

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