Febre Amarela: informações chave sobre diagnóstico e conduta nos casos suspeitos

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Febre Amarela em MG, 2018
Febre Amarela em MG, 2018

 

A Febre Amarela (FA) é uma doença febril aguda, não contagiosa, causada por um arbovírus transmitido pela picada de mosquitos. Sua letalidade pode variar de 5% em formas oligossintomáticas a 50% em casos graves.1 A transmissão do vírus pode ocorrer em dois ciclos: silvestre e urbano. No silvestre, os macacos são os principais hospedeiros e amplificadores dos vírus, porém não são transmissores da doença.

Os vetores são mosquitos de hábitos estritamente silvestres (Haemagoggus e Sabethes); o homem participa como um hospedeiro acidental ao adentrar em matas sem imunização e proteção devidas. No ciclo urbano, o homem é o único hospedeiro com importância epidemiológica e a transmissão ocorre a partir de Aedes aegypti infectados. 1,2

 

Objetivo:

Alertar os profissionais de saúde que lidam com crianças para as informações chave sobre diagnóstico e conduta nos casos suspeitos de Febre Amarela, em Minas Gerais. Fornecer orientações concisas sobre a vacinação no atual estado epidemiológico da doença no Estado.

 

Epidemiologia:

O período de incubação varia entre três a seis dias, podendo se estender até 15 dias. A viremia humana dura no máximo sete dias, habitualmente entre 48 horas antes do início da doença até cinco dias de sintomas, período no qual o homem pode infectar mosquitos transmissores. Os mosquitos contaminados passam a transmitir a doença cerca de nove a 12 dias após sua contaminação, durante seis a oito semanas.1,2

Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES-MG), de julho de 2017 até a terceira semana de janeiro de 2018, foram confirmados 22 casos de FA em Minas Gerais. A letalidade nesse período foi de 62,8%.2,3 Todos os casos foram confirmados laboratorialmente e são pacientes adultos, não vacinados para a doença. Há confirmação de circulação do vírus amarílico em 30 municípios das regionais de saúde de Barbacena, Belo Horizonte, Divinópolis, Itabira, Juiz de Fora, Leopoldina, Ponte Nova, Pouso Alegre e São João Del Rei.3

 

Quadro Clínico:

O quadro clínico pode variar desde infecções assintomáticas até quadros graves. A apresentação típica tem evolução bifásica (período de infecção e de intoxicação); inicia-se com febre alta, calafrios, cefaleia intensa, mialgias, prostração, náuseas e vômitos (período de infecção), durando cerca de três dias, seguido de remissão da febre e melhora dos sintomas, com duração máxima de dois dias.

Cerca de 90% dos casos evoluem para cura, enquanto 10% (durante epidemias, até 60%) apresentarão, após o período de remissão, a forma grave (período de intoxicação), caracterizada por retorno da febre, insuficiência hepática e renal e resposta inflamatória exacerbada ocasionando choque e disfunção de múltiplos órgãos. É uma doença dinâmica com possibilidade de piora importante em período de horas ou dias, o que justifica a vigilância contínua do paciente.1,2,4

 

Tabela 1 – Classificação Clínica da FA

Forma clínica Características
Leve Febre, cefaléia e mialgia, de início súbito, com duração de até 12 dias, acompanhados ou não de um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: lombalgia, mal estar, calafrios, náuseas, tonteiras.
Moderada Manifestações clínicas da forma leve associadas a icterícia e elevação de aminotransferases, colúria, congestão conjuntival e facial, podendo apresentar hemorragia leve (gengivorragias e epistaxe).
Grave Além da sintomatologia das formas anteriores em maior intensidade, manifesta-se com dor abdominal, comprometimento hemodinâmico, alteração do nível de consciência, disfunção hepática, hemorragia sistêmica, insuficiência renal aguda, na maioria das vezes evoluindo para o coma seguido de óbito.

Fonte: Ministério da Saúde, 2017.2

 

Deve ser considerado como caso suspeito todo indivíduo com quadro febril agudo (até sete dias), de início súbito, acompanhado de icterícia e/ou manifestações hemorrágicas, residente em (ou procedente de) área de risco para FA ou de locais com ocorrência de epizootia confirmada em primatas não humanos ou isolamento de vírus em mosquitos vetores, nos últimos 15 dias, não vacinado contra febre amarela ou com estado vacinal ignorado1,2,4

São considerados sinais de alarme, que determinam a pronta avaliação e conduta do paciente suspeito de FA: vômito, diarreia, dor abdominal, sangramento leve (epistaxe, gengivorragia, petéquias), elevação de enzimas hepáticas acima de cinco vezes o valor de referência, plaquetas < 50.000/mm3 e proteinúria.1,2,4

Todo caso suspeito de FA é de notificação compulsória, devendo ser informado às autoridades sanitárias locais, em até 24 horas, pelo profissional que prestou primeiro atendimento.5

 

Diagnóstico laboratorial:

A sorologia pelo método de Mac Elisa pesquisa os anticorpos contra FA e deve ser solicitada a partir do sexto dia de doença. Já o isolamento viral detecta o vírus e deve ser solicitado entre primeiro e quinto dias de sintomas.1,2,4

 

Diagnósticos diferenciais:

Nas formas leve e moderada o diagnóstico diferencial pode incluir qualquer doença que curse com quadro febril agudo indiferenciado, como dengue, malária, influenza, mononucleose e outras causas relacionadas a epidemiologia local. Formas graves devem ser diferenciadas de malária, dengue grave, chikungunya, hepatites agudas, leptospirose, riquetsiose, sepse e febre tifoide.2

 

Tratamento:

Não existe tratamento específico para doença. Dessa forma, o tratamento suportivo visa atenuar sintomas e manejar as intercorrências. Todo paciente da faixa etária pediátrica que preenche a definição de caso suspeito deve ser hospitalizado e receber cuidadosa assistência, permanecendo em repouso, com reposição de líquidos, controle de diurese e realização periódica de exames laboratoriais, conforme gravidade do quadro. Sinais vitais, estado de hidratação e a presença de sangramentos devem ser continuamente monitorados.

Nas formas graves, o paciente deve ser atendido em Unidade de Terapia Intensiva, com vista a reduzir as complicações e o risco de óbito. A alta hospitalar deve ocorrer quando houver melhora clínica e laboratorial e após 10 dias do início do quadro, se o paciente está há mais de 24h sem febre; ou após três dias sem febre, independente do tempo de doença.1,2,4

 

Prevenção:

Medidas de proteção pessoal devem adotadas quando existe possibilidade de exposição ao vetor, tais como utilização de roupas que promovam cobertura adequada de membros e pescoço, além de calçados fechados, preferencialmente acompanhado por meias.

Para maiores de dois anos de idade, o uso de repelentes a base de DEET (Autan®, Off Kids® e Super Repelex Kids®) e icaridina (Exposis Infantil®) é eficaz e deve ser considerado. Em crianças com idade entre seis meses e dois anos de idade, o IR3535 (Loção anti-mosquito Jhonson’s & Johnson’s®) e a icaridina em loção ou gel, com concentração máxima de 20% (Exposis®, Baruel, SPB Advanced e Sunlau) podem ser utilizados.

A reaplicação do repelente deve ser realizada de duas em duas horas.6 Crianças menores de 6 meses devem ser mantidas sob mosquiteiros e/ou em ambiente protegido (refrigerado com portas e janelas fechadas ou protegidas por tela, com repelentes ambientais).2

 

Vacinação:

A partir de abril de 2017, o Ministério da Saúde, em consonância com a Organização Mundial de Saúde, passou a recomendar a dose única de vacina contra FA.7,8 A dose de reforço não é mais recomendada, pois 99% das pessoas que recebem uma dose adquirem imunidade protetora em torno de 30 dias após a vacinação.

Desta forma, a vacinação de rotina contra a doença, recomendada pelo Programa Nacional de Imunização, passa a ser dose única aos nove meses de idade.7

A vacinação é contraindicada para crianças menores de seis meses, pacientes com histórico de eventos adversos graves em doses anteriores, reação anafilática a componentes da vacina, doença do timo e imunossupressão grave.

Gestantes e lactantes (amamentando crianças menores de seis meses) não vacinadas deverão receber a vacina somente se residirem ou forem se deslocar para área com transmissão ativa da doença. As lactantes deverão suspender o aleitamento materno por 10 dias após a vacinação.

Viajantes para áreas com vigência de surto no país ou para países que exigem o Certificado Internacional de Vacinação ou Profilaxia não vacinados devem receber uma dose pelo menos 10 dias antes da viagem, respeitando as precauções e contraindicações da vacina.2,4

 

Tabela 2 – Recomendações da vacina contra FA para crianças, em Minas Gerais, 2018

Idade Conduta
Crianças entre seis a oito meses Não administrar vacina. Para as crianças que receberam uma dose entre 6 a 8 meses, deve-se administrar a dose de rotina aos 9 meses
Crianças de qualquer idade, que receberam uma dose de vacina, comprovada em caderneta de vacinação Considerar imunizadas
Crianças acima de nove meses, que nunca foram vacinadas ou sem comprovante de vacinação Administrar dose única da vacina

Fonte: Adaptado de SMSA – BH, 2018.4

Em crianças menores de dois anos de idade nunca vacinadas com vacina de Febre Amarela, não administrar essa vacina simultaneamente a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) nem com a tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela).

O intervalo mínimo deve ser de 30 dias entre as vacinas. Eventos adversos associados à vacinação podem ocorrer como manifestações locais (dor, eritema e induração) e sistêmicas, tais como reações anafiláticas, doença neurológica e doença viscerotrópica aguda, que podem evoluir para o óbito.

Toda manifestação clínica temporalmente associada à aplicação de vacina deve ter o evento adverso como um de seus diagnósticos diferenciais e ter a relação causal com a vacina investigada.2

A ocorrência da epidemia de Febre Amarela em MG sinaliza a necessidade de melhorar a vigilância da doença, mantendo atitude de alerta frente a pacientes com quadro clínico sugestivo, promovendo educação continuada e intensificando a vacinação nas populações suscetíveis nas áreas de risco.

Aos profissionais de saúde que lidam com crianças, é imprescindível a ação preventiva contínua, especialmente direcionada à conferência e atualização da situação vacinal nas consultas de puericultura e à disseminação da informação correta para os pais e responsáveis.

 

 

Gabriela Araujo Costa

Infectologista Pediátrica. Mestre em Clínica Médica e Biomedicina. Diretora Adjunta de Comunicação da Sociedade Mineira de Pediatria. Professora do Núcleo de Pediatria da Faculdade de Medicina do UNI-BH. Referência Técnica da Gerência de Epidemiologia do Distrito Sanitário Oeste (Prefeitura de Belo Horizonte).

 

Aline Almeida Bentes

Infectologista Pediátrica. Mestre em Saúde Coletiva, Epidemiologia. Professora Assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Infectologista Pediátrica no Hospital Infantil João Paulo II – FHEMIG.

 

Daniela Caldas Teixeira

Pediatra. Residente de Infectologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

 

 

Bibliografia

  1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de Vigilância em Saúde (Ministério da Saúde, vol. 2, 2017). Acesso em 16/01/2018. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/05/Guia-de-Vigilancia-em-Saude-2017-Volume-2.pdf
  2. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Febre amarela: guia para os profissionais de saúde. Brasília, 2017. Acesso em 14/01/2018. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/febre_amarela_guia_profissionais_saude.pdf
  3. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Subsecretaria de Vigilância e Proteção à Saúde. Superintendência de Vigilância Epidemiológica, Ambiental e Saúde do Trabalhador. Boletim epidemiológico – 17/01/2018. Febre Amarela em Minas Gerais. Acesso em 18/01/2018. Disponível em http://www.saude.mg.gov.br/images/noticias_e_eventos/000_2018/01-jan-fev-marc-abril/Boletins_AEDES/Boletim_-_Febre_Amarela_17_de_janeiro_de_2018_-_FINAL.pdf
  4. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Saúde. Nota Técnica 01/2018 – CIEVS/GVIGE/DPSV/DIAS. Febre amarela – orientações sobre definição de caso, imunização e fluxo assistencial em Belo Horizonte. Belo Horizonte, 12 de janeiro de 2018.
  5. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS 204 de 17/02/2016, que define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional. Acesso em 30/01/2017. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0204_17_02_2016.html
  6. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Dermatologia. Uso do repelente de insetos em crianças. Boletim Técnico. 2015. Acesso em 22/10/2017. Disponível em http://www.sbp.com.br/src/uploads/2012/12/Repelentes-2015.pdf
  7. Ministério da Saúde. Nota Informativa n° 94/2017 – SVS/MS. Orientações e indicação de dose única da vacina febre amarela, Brasil, 2017. Brasília, 05 de abril de 2017.
  8. Organização Mundial da Saúde. Febre Amarela. Ficha descritiva [Atualização Maio 2016]. Acesso em 12/04/2017. Disponível em http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs100/pt/

 

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