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18 de janeiro de 2017. Ano 4 – nº 40. Boletim Online.
Adriana Reis Brasil – Médica Pediatra com residência na FHEMIG, Pós-Graduada em Nutrição Clínica pelo GANEP e Mestre em Ciências da Saúde da Criança e do Adolescente pela UFMG.
Liliane Lentz – Graduada em Educação Física pela UFMG e em Nutrição pelo Centro Universitário UNI-BH, Pós-graduada em Treinamento de força pela UFMG e Mestre em Treinamento Esportivo pela UFMG.
Paulo César Pinho Ribeiro – Presidente da Academia Mineira de Pediatria, Professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Mestre em Ciências da Saúde da Criança e do Adolescente pela UFMG.
Sumário:
- Introdução
- Nutrição
- Carboidratos
- Carboidratos e Atividade Física
- Proteínas
- Proteínas e Atividade Física
- Lipídios
- Lipídios e Atividade Física
- Micronutrientes
- Água
- Recomendações Nutricionais para Crianças e Adolescentes
- Suplementos Esportivos
- Considerações Sobre o Uso de Suplementos Esportivos para Crianças e Adolescentes
- Conclusões
1. Introdução
As vantagens da prática de atividade física e do esporte na infância e adolescência já estão bem estabelecidas e podem ser notadas nas esferas psicossociais e orgânicas. Podem ser citados: a melhora da autoestima e da socialização; prevenção de situações de risco; treinamento na busca de objetivos; redução da ansiedade e depressão; construção de sentimento de equipe e solidariedade entre os participantes. Ainda podem ser observadas a menor predisposição a doenças, maior facilidade no controle do balanço energético, melhor desenvolvimento motor, fortalecimento dos ossos e da musculatura.[1]
Apesar da prática da atividade física por crianças e adolescentes ainda ser pouco frequente em nosso meio, cabe reconhecer que, com a realização das Olimpíadas no Brasil em 2016, aumentou a busca por práticas esportivas.
A nutrição adequada é muito importante na faixa etária pediátrica e essencial para o bom desempenho esportivo de jovens. Além disso, um trabalho de educação nutricional é muito importante para este público crescer, desenvolver consciência alimentar, ter conhecimento dos benefícios de uma alimentação balanceada e variada, além de aprender como a ingestão satisfatória de macronutrientes, micronutrientes e água melhoram o desempenho esportivo.
A orientação nutricional apresenta uma série de vantagens para a criança ou jovem praticante de atividade física: prioriza o adequado crescimento pôndo-estatural, contribui para a manutenção do peso e composição corporal ideal, proporciona o pleno aproveitamento do treino, melhora a capacidade de recuperação, melhora a capacidade de concentração e reduz o risco de doenças e lesões.[2]
Para otimizar o treinamento, a alimentação deve ser variada, em quantidades adequadas, com refeições distribuídas ao longo do dia, de acordo com a escala de treinamento. É muito importante que as dietas sejam personalizadas e a suplementação seja usada com cautela. Uma das estratégias que podem ser adotadas para que o planejamento alimentar contemple as necessidades e metas a serem alcançadas é a utilização de suplementos. Porém, não se deve incentivar a substituição de uma alimentação rica e variada por substâncias em cápsulas ou pó, pois suplementos não substituem uma alimentação equilibrada, e sim a complementam, quando necessário.[3]
2. Nutrição
A dieta deve ser balanceada nos macronutrientes: carboidratos, lipídios e proteínas, que agem em sintonia com os micronutrientes para manter em equilíbrio o metabolismo energético.
Vários tipos de substrato energético são oxidados simultaneamente durante a atividade física, porém, a proporção de energia que cada substrato fornece depende do tipo, da intensidade e da duração da atividade física, bem como do nível de condicionamento, as características da dieta e a refeição que antecede a atividade.
O período após o exercício é considerado um momento crítico e fundamental para ingestão de nutrientes. A atividade física pode resultar num esgotamento dos combustíveis armazenados (glicogênio e aminoácidos), bem como causar danos às fibras musculares. Teoricamente, o consumo de nutrientes após o exercício pode colaborar para a reconstrução do tecido danificado e também para a restauração das reservas de energia.[4]
2.1 Carboidratos
Os carboidratos são a principal fonte de energia na dieta ocidental. São importantes pelos seus efeitos fermentativos no cólon e efeitos imuno-moduladores. Eles aumentam a reserva de glicogênio e têm efeito poupador de proteína durante a atividade física.
O carboidrato da dieta é transformado em glicogênio, glicose no sangue e ácidos graxos.
A velocidade de absorção dos carboidratos no intestino delgado regula a resposta glicêmica e hormonal, estabelecendo o seu Índice Glicêmico (IG). Vários fatores influenciam o índice glicêmico: conteúdo de fibra, nível de processamento e cozimento, presença de frutose ou lactose (IG baixo), quantidade de amilopectina e amilose, quantidade de gordura e proteína (↓ IG).
As fontes dietéticas de carboidratos são inúmeras: batatas, arroz, massas, cereais, biscoitos, geleias, pães, cereais, grãos, massas, farelos, bolos, biscoitos, frutas, tubérculos, leguminosas.
2.1.1 Carboidratos e Atividade Física
Enquanto os estoques de gordura constituem a maior reserva de energia corpórea, os carboidratos são a principal fonte de energia para utilização imediata, poupando o glicogênio muscular e mantendo a glicemia durante o exercício. A suplementação de carboidratos antes e durante os exercícios aeróbicos e anaeróbicos é a maneira mais utilizada para se evitar a queda brusca da glicemia.
Os estoques de glicogênio muscular podem aumentar nos indivíduos que praticam atividades físicas e também com a sobrecarga de carboidratos na dieta. O carboidrato é o combustível preferido para exercícios com intensidade acima de 65% do VO2 máximo. O glicogênio muscular e a glicose sanguínea fornecem metade da energia para exercícios de intensidade moderada (65% VO2) e dois terços da energia para exercícios de alta intensidade (85% VO2). O consumo de carboidratos durante o exercício está indicado para atividades com duração maior que 1 hora, com intensidade moderada ou alta. Este consumo está associado à prevenção da fadiga.[5]
2.2 Proteínas
As proteínas possuem importantes funções em nosso organismo, como: formação de enzimas, defesa, transporte, contração muscular e síntese de estruturas. São formadas pela combinação de 20 aminoácidos.
Os aminoácidos livres estão em equilíbrio dinâmico entre as células e os fluidos biológicos. Há um processo dinâmico de anabolismo e catabolismo proteico – Turnover – e os principais responsáveis por esse equilíbrio são o tecido muscular e o fígado/vísceras. Não há “reserva” de aminoácidos/proteínas, pois as quantidades excedentes da dieta serão metabolizadas.
O saldo final das mudanças ocorridas sobre o Turnover proteico é dependente de uma somatória de fatores:
– A síntese proteica é aumentada em resposta à insulina, ao hormônio do crescimento, à presença de leucina e a outros aminoácidos, e é diminuída pelo exercício físico e pela reduzida ingestão de proteínas.
– A degradação proteica é aumentada em resposta ao jejum, ao exercício e aos glicocorticoides, e diminuída pela infusão de leucina e triglicérides de cadeia média (TCM) e pela ingestão de proteínas.
– A síntese proteica é suprimida durante o exercício e está reduzida até 1 hora após a atividade física, principalmente nos exercícios que levam à exaustão. Esta supressão é influenciada pela duração e intensidade do exercício (a diminuição da insulina está diretamente relacionada à diminuição da síntese proteica durante o exercício).
– A síntese proteica ocorre no período de recuperação pós-exercício.
O sítio primário de metabolização da maioria dos aminoácidos é o fígado, onde a enzima aminotransferase faz a degradação e sintetiza ureia, para eliminação do nitrogênio amínico. Porém, o fígado tem pouca capacidade de degradar os aminoácidos de cadeia ramificada (ACR), pois a enzima aminotransferase de ACR é mais abundante no tecido muscular.
As principais fontes dietéticas são as carnes, leites e derivados, ovos, soja e outras leguminosas.
A qualidade proteica é classificada de acordo com o perfil de aminoácidos essenciais e não essenciais presentes na proteína. As proteínas de origem animal possuem um alto valor biológico, por serem completas e as proteínas vegetais possuem aminoácidos limitantes.[6]
2.2.1 Proteínas e Atividade física
Os aminoácidos contribuem com 5 a 15% da energia consumida durante o exercício.
A necessidade de ingestão proteica na dieta pode ser influenciada pela idade, sexo, duração e intensidade do exercício, balanço energético e reserva de glicogênio. A ingestão inadequada de energia acarreta aumento da necessidade proteica na dieta. Para um ótimo desempenho esportivo, é essencial que o atleta receba carboidratos.
Os atletas que realizam exercícios de força parecem ter suas necessidades proteicas aumentadas no período inicial do treinamento, a fim de sustentar o aumento do crescimento muscular. Provavelmente, esta necessidade diminui no decorrer do treinamento.[7]
Visando a maximizar o ganho de massa muscular, é necessário otimizar os fatores que promovem a síntese proteica e diminuem a degradação proteica.
A ingestão de aminoácidos e carboidratos algumas horas após a sessão de exercícios de força parece promover um saldo mais positivo no balanço proteico quando comparado ao jejum. Provavelmente, o aumento da disponibilidade de aminoácidos e o aumento da insulina estão implicados neste processo.
O aumento da ingestão de proteínas após uma sessão de exercícios de força estimula a taxa de síntese proteica no músculo, especialmente quando há ACR.
Recomenda-se a ingestão de proteínas a partir de uma dieta mista e variada, que contenha de 12 a 15% de energia na forma de proteínas. O aumento do gasto energético imposto pelo exercício acarreta aumento da ingestão calórica total, o que favorece o consumo de proteínas em valores superiores àquele recomendado para indivíduos sedentários.
Cabe ressaltar que a proteína apenas realizará sua função plástica na síntese proteica se as necessidades energéticas forem adequadas, pois, ao contrário, serão utilizadas como substrato energético.[8]
2.3 Lipídios
Os lipídios formam a maior reserva de energia do corpo e não tem limite na quantidade de armazenamento.
Eles constituem as estruturas das membranas celulares, são essenciais na formação de hormônios esteroides e da bile, possuem função imuno-moduladora (prostaglandinas, citocinas) e têm papel no isolamento térmico.
Recomenda-se que 20-30% do Valor Energético Total (VET) da dieta sejam de lipídios.
As gorduras são fontes de vitaminas lipossolúveis e ácidos graxos essenciais e dão maior palatabilidade aos alimentos.
As fontes dietéticas são óleos, azeite, manteiga, margarina, carnes, castanhas, leite e derivados.
2.3.1 Lipídios e Atividade Física
Os lipídios e carboidratos são os principais substratos de energia durante a atividade física. Ambas as fontes são oxidadas simultaneamente, porém, a proporção de energia que cada substrato fornece depende do tipo, da intensidade e da duração da atividade física, bem como do nível de condicionamento, das características da dieta e da refeição que antecede a atividade.
Os lipídios são as mais abundantes reservas de energia e podem ser mobilizados a partir dos lipídios intramusculares, do tecido adiposo e das lipoproteínas séricas.
Durante as atividades de “endurance” – duração maior que 90 minutos – os lipídios se tornam o substrato predominante de fornecimento de energia, uma vez que as reservas de carboidrato (glicogênio e glicose) são limitadas.
Uma vez que a digestão dos lipídios é mais lenta que o carboidrato, eles permanecem mais tempo no trato gastrointestinal. Por isso, geralmente eles não são utilizados como fonte exógena de energia imediata para o exercício.
A exceção a esta regra são os triglicérides de cadeia média – TCM – que são absorvidos pela mucosa intestinal tão rapidamente quanto à glicose. Eles entram na veia porta e se ligam à albumina para serem transportados ao fígado rapidamente.
É consenso na literatura que os lipídios são nutrientes de vital importância para a saúde e integridade das funções fisiológicas do organismo, assim como é fundamental para o desempenho esportivo. Portanto, não deve ser eliminado da dieta, e sim ingerido de forma adequada e moderada.[9]
2.4 Micronutrientes
As vitaminas e minerais são cofatores de atividades enzimáticas de todas as grandes vias metabólicas. A falência de um desses elementos interrompe toda uma via metabólica. Condições fisiopatológicas que podem induzir a carência relativa desses elementos devem ser tratadas preventivamente, como: fase de crescimento, gravidez e aleitamento, reposições hormonais, a terceira idade e atividades esportivas.
Alguns exemplos da grande importância: produção de energia (Vit. E, B, C e P), síntese de hemoglobina (Vit. complexo B), manutenção da saúde óssea (Ca, P, Vit. D), função imune adequada (Vit. C), função antioxidante (Vit. A, E, C e Se), reparo e construção muscular (vit. A e vitaminas do complexo B).
Os atletas não possuem uma necessidade aumentada, mas correm riscos de desnutrição se a alimentação não estiver adequada, devido a um grande desgaste. Suplementos, como multivitamínicos, ferro, antioxidantes, cálcio, vitamina D só melhorarão o desempenho se houver deficiência.
A anemia ferropriva, bastante prevalente em toda a infância, acentua-se nos adolescentes não só pelos maus hábitos alimentares, mas devido a fatores como:
- rápido aumento da massa magra;
- aumento tanto do volume sanguíneo quanto do número de hemácias;
- rápido incremento de altura e peso que ocorrem no chamado “estirão do crescimento”.
Assim, se recomenda uma atenção especial no inquérito alimentar de crianças e adolescentes que pratiquem esportes competitivos sobre a ingestão desses micronutrientes, encontrados em fontes como carnes, peixes, grãos, ovos e nozes.
Outro fator de risco para deficiência de ferro são as dietas alternativas, entre elas, a dieta estritamente vegetariana, com alto conteúdo de oxalatos e fitatos, e que têm alta afinidade pelo ferro, facilitando o surgimento de anemia. Este tipo de dieta pode levar à diminuição do desempenho e piora dos resultados em competições. Nesses casos, deve-se fazer a investigação laboratorial, incluindo dosagens de ferro sérico e saturação de transferrina, visando detectar, também, a ferropenia, que pode interferir no adequado transporte de oxigênio para os músculos.
O cálcio é outro micronutriente importante, em função do aumento da massa esquelética, principalmente na fase do “estirão de crescimento”, além de ser fator preventivo das fraturas de estresse e da osteoporose tardia. É encontrado no leite, em queijos e em iogurtes, alimentos pouco ingeridos por adolescentes, de modo que, para os adolescentes atletas, pode ser necessária a suplementação.
2.5 Água
A água é essencial à vida, pois é no meio líquido que ocorrem todos os processos metabólicos para a manutenção da homeostasia. Também é importante no transporte, lubrificação, nos processos digestivos, respiratórios e excretórios e na manutenção da temperatura corporal.
Crianças e adolescentes jovens produzem menos suor, geram mais calor durante o exercício e não possuem mecanismos adequados de trocas de calor com o ambiente externo, já que têm menor superfície corpórea que os adultos, o que resulta em grandes ganhos de calor nos ambientes quentes e grandes perdas de calor nos ambientes frios. Sendo assim, fluidos são de extrema importância na manutenção da saúde e do desempenho dos atletas jovens, devendo ser evitada a desidratação induzida pelo exercício, pois crianças e adolescentes apresentam um aumento muito grande na temperatura corpórea interna.[10]
3. Recomendações Nutricionais para Crianças e Adolescentes
O posicionamento da Associação Americana de Dietética em relação à nutrição e atividade física pode ser resumido nos seguintes tópicos:[11]
- A atividade física e o desempenho esportivo são melhorados com uma nutrição adequada.
- As necessidades de energia, principalmente de carboidratos e proteínas, devem ser atingidas para manter o peso ideal, repor os estoques de glicogênio muscular e fornecer proteínas para construir e reparar os tecidos. Um consumo energético baixo pode resultar em disfunções menstruais, aumento do risco de fadiga, lesões e doenças, perda ou dificuldade de ganhar massa óssea.
- A ingestão de gordura deve ser suficiente para fornecer ácidos graxos essenciais e vitaminas lipossolúveis, assim como energia para a manutenção do peso ideal.
- Alimentos e líquidos apropriados devem ser consumidos antes, durante e depois do exercício para ajudar a manter as concentrações de glicose, maximizar o desempenho e melhorar o tempo de recuperação.
- Os atletas devem estar bem hidratados antes do exercício e consumir líquidos suficientes durante e após o treino para repor perdas.
- O acompanhamento nutricional periódico de crianças e adolescentes atletas torna-se fundamental para garantir o crescimento e desempenho atléticos adequados.
Para fazer um plano alimentar individualizado, é necessária avaliação nutricional criteriosa, classificando o indivíduo nos percentis de peso, estatura e Índice de Massa Corporal (IMC). As prescrições devem ser flexíveis, de modo a poder ser incorporadas como hábito alimentar regular.
É importante ressaltar que a quantidade de proteínas deve ser adequada para as exigências relacionadas ao crescimento, pois crianças e adolescentes têm maior necessidade proteica do que os adultos. Também se deve ficar atento à maior necessidade de cálcio e ao maior gasto metabólico relativo para a atividade física, que chega a ser 30% maior durante caminhadas/corridas que um adulto.
A criança tem uma maior utilização (oxidação) de gordura durante a atividade física, pois a resposta hormonal ao exercício é diferente do adulto. Porém, não há evidências que sugiram que crianças e/ou adolescentes devam ingerir mais gorduras na sua dieta habitual. Pelo contrário, um consumo elevado de gorduras antes do exercício pode inibir a liberação do hormônio do crescimento. Sendo assim, o consumo de gorduras deve seguir as recomendações (25 a 35% do VET).
Outro ponto relevante é que os estoques de carboidratos são menores e as enzimas glicolíticas podem não estar completamente desenvolvidas. A ingestão deficiente de carboidratos pode resultar em estoques insuficientes de glicogênio, levando à fadiga precoce e uso de proteínas como fonte energética.
As crianças apresentam menor taxa de sudorese e a ingestão de líquidos pode ser insuficiente para repor as perdas. Por isso, pode ser necessária a oferta de líquidos com melhor palatabilidade, visto que a ingestão voluntária de líquidos aumenta quando são adicionados sabores.
4. Suplementos Esportivos
Ajudas ergogênicas são quaisquer manobras ou métodos – nutricional, físico, mecânico, psicológico ou farmacológico – realizados com a finalidade de melhorar o rendimento ou melhorar a capacidade de realizar um trabalho físico.
O termo “ergogênicos” é derivado de Ergon, que significa trabalho e Gennan, que significa produção.
As substâncias utilizadas especificamente para melhorar o desempenho esportivo são chamadas Suplementos Esportivos.
Os ergogênicos nutricionais servem, principalmente, para aumentar o tecido muscular, a oferta de energia e a taxa de produção de energia no músculo. Também podem atuar como substrato energético, contribuindo para regular os processos pelos quais a energia é produzida no corpo e promovendo o crescimento e desenvolvimento dos tecidos corporais.[12]
Seu uso e comercialização no Brasil são regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), sendo a última atualização em 27 de abril de 2010.
A Resolução RDC – n. 18 de 27 de abril de 2010 dispõe sobre alimentos para atletas:
Art. 1º Fica aprovado o Regulamento Técnico sobre Alimentos para Atletas, nos termos desta Resolução.
Objetivo
Art. 2º Este regulamento tem o objetivo de estabelecer a classificação, a designação, os requisitos de composição e de rotulagem dos alimentos para atletas.
Seção II
Abrangência
Art. 3º Este regulamento se aplica aos alimentos especialmente formulados para auxiliar os atletas a atender suas necessidades nutricionais específicas e auxiliar no desempenho do exercício.
Parágrafo único. Este regulamento não abrange:
I – substâncias estimulantes, hormônios ou outras consideradas como “doping” contidas na lista de substâncias proibidas pela Agência Mundial Antidoping (WADA) e ou legislação pertinente;
II – substâncias com ação ou finalidade terapêutica ou medicamentosa, incluindo produtos fitoterápicos, bem como suas associações com nutrientes ou não nutrientes.
Seção III
Definições
Art. 4º Para efeito deste regulamento são adotadas as seguintes definições:
I – atletas: praticantes de exercício físico com especialização e desempenho máximos com o objetivo de participação em esporte com esforço muscular intenso;
II – suplementos hidroeletrolíticos para atletas: produto destinado a auxiliar a hidratação;
III – suplementos energéticos para atletas: produto destinado a complementar as necessidades energéticas;
IV – suplementos proteicos para atletas: produto destinado a complementar as necessidades proteicas;
V – suplementos para substituição parcial de refeições de atletas: produto destinado a complementar as refeições de atletas em situações nas quais o acesso a alimentos que compõem a alimentação habitual seja restrito;
VI – suplementos de creatina para atletas: produto destinado a complementar os estoques endógenos de creatina;
VII – suplementos de cafeína para atletas: produto destinado a aumentar a resistência aeróbia em exercícios físicos de longa duração;
VIII – PDCAAS (Protein Digestibility Corrected Amino Acid Score): escore aminoacídico corrigido pela digestibilidade da proteína para a determinação de sua qualidade biológica. Art. 27. Nos rótulos dos produtos não podem constar:
I – imagens e ou expressões que induzam o consumidor a engano quanto a propriedades e ou efeitos que não possuam ou não possam ser demonstrados referentes a perda de peso, ganho ou definição de massa muscular e similares;
II – imagens e ou expressões que façam referências a hormônios e outras substâncias farmacológicas e/ou do metabolismo;
III – as expressões: “anabolizantes”, “hipertrofia muscular”, “massa muscular”, “queima de gorduras”, “fat burners”, “aumento da capacidade sexual”, “anticatabólico”, “anabólico”, equivalentes ou similares.
De maneira esquemática, podemos apresentar as principais características dos Suplementos Esportivos no quadro a seguir:

5. Considerações Sobre o Uso de Suplementos Esportivos para Crianças e Adolescentes
A interpretação dos dados de trabalhos publicados sobre o uso de Suplementos Esportivos por crianças e adolescentes é dificultada pelas inúmeras variáveis que confundem a análise desses estudos. Em relação aos sujeitos da pesquisa, destacam-se diferenças de sexo, estágio puberal e tipo de atividade física e seu caráter (por exemplo, indivíduos sedentários versus atletas; atletas amadores versus profissionais). Em relação ao suplemento utilizado, existe grande variação de produtos, dose e duração da reposição. Em relação aos desenhos de estudo nota-se, além das variáveis anteriormente mencionadas, problemas metodológicos como os relativos ao tamanho da amostra, randomização, poder e diferenças na avaliação do desfecho e eficácia – se por critérios clínicos (antropométricos), laboratoriais (dosagens bioquímicas, avaliação de atividade enzimática), de capacidade respiratória – controle de segurança e efeitos adversos. A necessidade de repor determinado suplemento nem sempre é avaliada antes de seu início, e, quando identificada, nem sempre é corrigida por orientação dietética. Outras vezes, existe a reposição de múltiplos suplementos, dificultando a análise individual dos seus efeitos.
É importante ressaltar as peculiaridades da fisiologia da criança, em termos de hidratação, controle de temperatura, gasto energético para atividade física e crescimento e sua capacidade de digestão (mastigação, capacidade gástrica, absorção), que fazem com que as intervenções nutricionais sejam ainda mais complexas.
A maioria dos trabalhos publicados é com indivíduos adultos, praticantes de atividades físicas intensas – atletas – e com número pequeno de participantes. Devido às considerações éticas que envolvem métodos de investigações através de experimentos invasivos ou potencialmente nocivos, a disponibilidade de informações sobre as necessidades nutricionais e fisiológicas de crianças/adolescentes que participam de atividade física regular é limitada.
Por outro lado, os avanços tecnológicos e científicos têm propiciado o aparecimento no mercado de uma grande variedade de Suplementos Esportivos, com o objetivo de melhorar o rendimento. O aumento da competitividade e da exigência tem levado os jovens a procurar esse tipo de produto. A exacerbada preocupação com o padrão estético e busca pelo corpo perfeito leva as pessoas a procurarem soluções milagrosas, de preferência rápidas. O imediatismo típico do adolescente pode reforçar tal prática, em detrimento da promoção da saúde.
Em vários países o uso de Suplementos Esportivos está disseminado. Alguns trabalhos mostram uma frequência de uso desse tipo de substância por universitários variando de 16,5% na Turquia até 85,9% nos Estados Unidos.[13]
No Brasil, esta também é uma prática comum entre jovens, conforme mostra a tabela 1.
Tabela 1 – Frequência do uso de Suplementos Esportivos entre jovens frequentadores de academias de ginástica[14]
As motivações citadas pelos usuários de suplementos esportivos são: ganhar massa muscular; melhorar o desempenho competitivo; aumentar a “performance” física; retardar o surgimento da fadiga; compensar dieta inadequada; ultrapassar o platô de condicionamento físico obtido apenas com a alimentação; por ser “norma cultural” em alguns esportes ou pelo conhecimento de que potenciais competidores fazem uso de suplementos; por recomendação de amigos, colegas e técnicos; pela disponibilidade dos suplementos em farmácias e lojas especializadas; pela propaganda de que eles são seguros, “naturais”, isentos de efeitos adversos e que podem aumentar a força e a resistência muscular; para imitar atletas de elite que supostamente fizeram uso desses suplementos; para prevenir doenças e melhorar a imunidade.[15]
O tipo de esporte praticado parece influenciar na escolha do suplemento consumido. Os estudantes que praticam esportes individuais tendem a consumir mais suplementos ergogênicos e os que praticam esportes de equipe tomam mais suplementos de recuperação.
De acordo com trabalho publicado com dados do Brasil, a indicação do uso do suplemento esportivo foi feita em 41,9% das vezes por amigos e em 35,2% pelo próprio praticante. O educador físico indicou em 27,6% dos casos e o nutricionista 20,7%. ᴵ⁴
Os suplementos esportivos, tão consumidos e vendidos (aminoácidos, carboidratos, creatina, L-carnitina e outros), constituem porta de entrada para os esteróides anabolizantes. Entretanto, em trabalhos de pesquisas mais recentes,17 alguns autores têm encontrado o álcool como porta de entrada para os anabolizantes. Ainda que haja publicidade prometendo aumento da massa muscular e melhora do desempenho nas atividades físicas – o que não é comprovado por especialistas – produtos à base de aminoácidos não são ergogênicos, ajudando apenas nos casos de dietas alimentares hipoprotéicas e inadequadas.
O excesso de aminoácidos pode levar à sobrecarga renal.16 Quanto aos energéticos (carboidratos), apesar da promessa de evitar fadiga em pessoas que praticam atividade física de força prolongada, sabe-se que o produto aumenta o nível de glicogênio, evitando a queima de músculos quando o estoque de glicose acaba. Se consumido sem orientação, tem o efeito de ganho de peso indesejável. Propagandas afirmam que a creatina melhora a resistência e o desempenho durante o exercício, porém, há divergências entre os especialistas, já que a dose utilizada pode causar hipertensão e cãibras (20mg quando a dose segura é de apenas 2mg).
Quanto à L-carnitina, não há efeito comprovado no desempenho físico; não reduz a gordura corpórea localizada (abdome), nem atua sobre a lipodistrofia (celulite). Alguns líquidos similares a refrigerantes contêm apenas mistura de açúcares simples e eletrólitos combinados e são vendidos como suplementos. Produtos à base de guaraná que contêm cafeína são excitantes. É importante salientar que, em pesquisas conduzidas em capitais europeias, encontraram-se traços de esteróides anabolizantes em fórmulas vendidas como suplementos hipercalóricos.17
As chamadas bebidas esportivas são formuladas a partir da concentração de vários eletrólitos e carboidratos, com finalidade de reposição hídrica, energética e eletrolítica durante a prática de exercícios físicos. Não há evidências científicas sobre efeitos colaterais dessas bebidas esportivas. Alguns trabalhos18 mostram que os repositores apresentam uma composição eletrolítica e calórica que não provocam sobrecarga para o organismo ou aumento nas concentrações sanguíneas de glicose ou eletrólitos, apenas reabastece o organismo com carboidratos e repõe parte dos minerais eliminados pelo suor. Apesar do uso de várias bebidas contendo cafeína (bebidas energéticas, sodas carbonatadas, refrigerantes) em nossa alimentação diária, essa substância não é nutriente essencial na nossa dieta. Encontram-se disponíveis no mercado vários tipos de bebidas hidratantes, energéticas e alcoólicas, bem como muitos medicamentos (antigripais, diuréticos e fármacos para perda de peso) contendo cafeína. Sabe-se que, mesmo nas bebidas ditas descafeinizadas, há percentual de cafeína e que as bebidas energéticas têm um conteúdo de cafeína maior que as bebidas regulares.
Os principais componentes das bebidas energéticas são cafeína, taurina, carboidratos, gluconolactona, inositol, niacina, pantenol e vitaminas do complexo B. Vários estudos mostram que a mistura de três componentes das bebidas energéticas, como a cafeína, a taurina e a gluconolactona, têm efeitos positivos no desempenho mental humano e na disposição das pessoas. Entretanto, é importante conhecer os efeitos adversos da cafeína, que podem levar à abstinência quando não ingerida, com sintomas de cefaleia, flutuações de humor e do estado de ânimo, irritabilidade, ansiedade, depressão, sonolência e fadiga. Ferreira et al., em São Paulo, estudando o efeito de álcool associado a bebidas energéticas, como, vodca e bebida energética como Red Bull®, comparando com ingestão só de álcool ou bebida energética, conclui que, mesmo quando as doses de cafeína reduzem alguns dos efeitos do álcool, não reduz os efeitos depressivos sobre o sistema nervoso central.
A taurina é um dos aminoácidos mais frequentes no sistema nervoso central e tem um importante papel nos processos fisiológicos, como regulação osmótica, neuroproteção e neuromodulação. Pesquisas comparando ingestão de álcool isolado e álcool associado a substâncias energéticas mostram que, no segundo caso, há redução da percepção de cefaleia, boca seca, debilidade e sensação de deterioração da coordenação motora. Sem dúvida, a ingestão de bebidas energéticas não reduz significativamente os déficits causados pelo álcool em sintomas objetivos, como coordenação motora e o tempo de reação visual, nem altera a concentração de álcool obtido em cada grupo.
Energéticos: a mistura de álcool com energéticos têm sido usada, em grande escala, pelos adolescentes. Os produtos energéticos contêm ingredientes como a cafeína, o guaraná, açaí, taurina, glucoronolactona, ginseng, arnitine, creatina, inositol, ginkgo biloba e outros, que, em excesso, podem causar danos à saúde. Por conterem grande quantidade de açúcares o risco é grande para crianças e adolescentes com predisposição ao diabetes.19
6. Conclusões
O profissional de saúde deve estimular a prática da atividade física por crianças e adolescentes, valorizando seu papel no desenvolvimento neuropsicomotor, na socialização, no alívio de estresse, no controle do peso e na melhora da autoestima.
A equipe interdisciplinar de saúde deve abordar temas como hábitos alimentares, controle do peso, transtornos alimentares, planejamento alimentar e hidratação oral. Também é importante alertar que o aumento de massa muscular, que representa um objetivo perseguido por várias pessoas desde a antiguidade até os dias atuais é alcançado somente com muito treinamento e dedicação, alimentação adequada e orientação de treinador capacitado.
Até o momento, os dados disponíveis, a maioria proveniente de estudos em adultos, não conseguiu demonstrar o benefício do uso de suplementos esportivos, a não ser em situações de carência, uma vez que a dieta pode fornecer a uma pessoa saudável todos os nutrientes necessários, nas quantidades adequadas. A suplementação nutricional é recomendada apenas em situações específicas. É emergente a necessidade de pesquisas científicas em adolescentes para avaliar os efeitos benéficos e a segurança do seu uso em longo prazo. Mais importante ainda é a educação nutricional para os adolescentes atletas.
Referências
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