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10 de novembro de 2013 – ano I – nº 8. Boletim Científico Online.
Antônio José das Chagas – Presidente do Comitê de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Mineira de Pediatria
A obesidade é resultado de acúmulo de tecido gorduroso no organismo, decorrente de balanço positivo de energia entre ingestão e gasto calórico. É uma questão matemática, previsível.
Na grande maioria das vezes esse balanço positivo ocorre em pessoas normais, mas com tendência genética, familiar. Pessoas que queimam mal, lentamente, poderíamos dizer. O exemplo é que há magros que comem mais que um gordo e não engordam. O gordo precisa aceitar: “ele pode, eu não posso”.
Essa obesidade é de herança poligênica e é chamada obesidade exógena. Em cerca de 5% dos casos, ocorre por alterações endócrinas: Hipotireoidismo não tratado; D. Cushing; Deficiência de GH; alterações hipotalâmicas-hipofisárias; resistência à insulina etc. e/ou por alterações genéticas definidas, onde se incluem inúmeras Síndromes genéticas – felizmente, todas bastantes raras: Prader-Willi; Laurence-Moon-Bardet-Biedl; Down; Frolich etc. Esse tipo de obesidade é dita Endógena.
A história da humanidade foi pautada pela luta contra a fome, embora desde a antiguidade existissem também obesos; em algumas sociedades a obesidade era sinal de saúde, beleza e poder. Só há cerca de 60-70 anos é que as evidências de que a obesidade é prejudicial à saúde foram se firmando. Hoje está bem claro que é uma doença crônica grave. É curioso que na medida em que se definia, cada vez mais, quanto a obesidade é danosa à saúde, a humanidade passou a conviver com um aumento vertiginoso da prevalência desse distúrbio. Hoje é uma epidemia mundial, segundo a OMS. Esse aumento ocorre também em crianças e adolescentes, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento.
A principal causa dessa epidemia é que, nos últimos anos, houve um aumento global do consumo, pelo fácil acesso a alimentos altamente calóricos e ricos em gordura, açúcar e sal e pobres em micronutrientes, fibras e alimentos saudáveis, ao mesmo tempo em que está ocorrendo uma queda na atividade física.
Andar a pé, de bicicleta, brincar na rua deixaram de ser hábitos naturais frequentes das crianças e jovens e são substituídos por televisão, computador, videogame, Ipad, Ipod e andar de carro. A ansiedade e o estresse, cuja forma de escape, muitas vezes, é comer em excesso, estão também mais frequentes em crianças.
Estudos mostram que nas regiões Sudeste e Nordeste do Brasil, em 2002, a prevalência de obesidade chegava a 8,2% e 11,9% em crianças e adolescentes (Abrantes, 2002).
Pesquisa do IBGE em parceria com o Ministério da Saúde em 2008-2009 e publicada em 2010 (Pesquisa de orçamento Familiar) mostrou que 40% da população brasileira está com excesso de peso ou obesidade; isso também ocorria em 36,6% das crianças entre cinco e nove anos, sendo 16,6% obesas. E são predominantes nas áreas urbanas e na região Sudeste. Mostrou também que o excesso de peso em homens adultos atingiu 50,1% e ultrapassou as mulheres, que ficaram em 48%. No Município de São Paulo, 66,3% da população está acima do peso e 28,9% são obesos. Em crianças de cinco a nove anos, uma em cada três está com excesso de peso.
Atualmente, a alta prevalência de obesidade nas crianças e adolescentes é um dos problemas de saúde pública mais alarmantes em todo o mundo. Obesidade na infância é um fator de risco, uma geradora de muitas morbidades já na infância e na vida adulta, incluindo mortalidade chegando mais cedo.
É importante enfatizar bem que uma criança gorda entre três e cinco anos será um adulto obeso em 80% dos casos. A maioria dos adultos obesos teve seu início na infância. Daí a importância de colocarmos a prevenção e o tratamento da obesidade na infância como um marco fundamental em saúde pública em todo o universo.
A OMS classifica o excesso de peso do adulto em quatro categorias, pelo índice de massa corpórea (IMC), que é obtido pelo peso (kg) dividido pela altura (m) ao quadrado.
Peso (Kg) IMC de 25-30= Sobrepeso
Altura (m)² IMC de 30-35= Grau I (Obesidade moderada)
IMC de 35-40= Grau II (Obesidade grave)
IMC maior de 40= Grau III (Obesidade mórbida)
O IMC é também o marcador aceito para crianças e adolescentes. Há curvas de IMC em percentis para ambos os sexos e de dois a 20 anos.
IMC maior que percentil 85 = Sobrepeso
IMC maior que percentil 95 = Obeso
Diante dessa realidade, chama-nos a atenção o fato de um grande número de adultos obesos(as) se sentirem “normais”. Passam-nos essa ideia: “Eu sou assim mesmo”; “sou de família de gordos”; “sou normal”. Não raro o cônjuge é também obeso(a). E nesse caso, quando vem uma criança, está com a genética e o ambiente de muita comida, muitas guloseimas, muitas curtições alimentares o dia todo, o ano todo. E pouca atividade física, porque “ninguém é de ferro”. Essa criança, certamente, desde os primeiros anos, ganhará mais peso do que deveria. Sua curva de peso ascendente sempre…. E seus pais, com raras exceções, achando tudo muito natural.
A maioria não se detém para pensar e concluir que a obesidade é uma doença crônica grave, que vai interferir em todos os órgãos, em sua saúde física e emocional para sempre.
Nas crianças e adolescentes, os problemas psicossociais são mais marcantes. Muitos não sabem; outros não valorizam a verdade de que, silenciosamente, desde cedo, o colesterol e/ou triglicérides, a pressão arterial, a resistência à insulina, a glicemia estão se elevando. O acúmulo de tecido gorduroso está acontecendo e envolvendo-se em torno de todos os órgãos e em seus interstícios, junto aos capilares, prejudicando progressivamente todas as suas funções.
O DM-2 (diabetes mellitus tipo 2), dito da maturidade, está chegando cada vez mais cedo, não raro na adolescência. Imaginem o coração e artérias com placas de “gordura” em suas paredes, enfrentando hipertensão arterial, lípides elevados, DM-2 etc.
Imaginem também um(a) jovem na casa dos 20 anos, mas com 20/30kg de excesso, com esses distúrbios metabólicos, com estrias, com dores e deformidades nos membros inferiores. Como estará sua autoestima? Estará feliz? Infelizmente não. Os obesos vêm-se e são vistos pelos outros como “anormais”, gerando ansiedade e depressão.
Tratamento
O tratamento da obesidade varia com a faixa etária, embora o objetivo geral seja equilibrar a ingestão de alimentos (o quanto de calorias ingeridas/24h) e o gasto energético/24h, minimizar os sintomas e sinais da doença e melhorar a saúde emocional.
A abordagem deve envolver os hábitos de vida da família e do paciente, visando mudanças no estilo de vida do grupo. Assim, a equipe deve contar, na medida do possível, com profissionais experientes na área de nutrição, saúde mental e atividade física.
O melhor tratamento é o profilático e os pediatras devem estar atentos às curvas de peso e altura de crianças, especialmente de pais obesos, ou que desconhecem ou não respeitam as boas normas da alimentação saudável. Às vezes, por distúrbios psicoafetivos ou por hipoatividade mesmo, que também é uma questão genética.
Manter o peso, enquanto criança, é uma boa estratégia e um forte estímulo para adesão ao tratamento, se o excesso de peso é leve. Nos pacientes obesos ou mesmo com sobrepeso, adolescentes ainda, é importante fazer uma abordagem realista, com restrição na ingestão calórica diária e maior gasto energético, aumentando suas atividades físicas, resultando em perda de peso de fato.
O obeso deve comer pouco, várias vezes ao dia – de 3/3hs ou 6 vezes ao dia, – evitando-se intervalos prolongados e grandes refeições.
É importante divulgar e aprender hábitos saudáveis, como: comer devagar; colocar pequenas porções no prato; usar talheres pequenos e descansá-los no prato a cada garfada levada à boca. “Comer parecendo bicho” não é inteligente e é feio. Os alimentos só são gostosos enquanto estão na boca. Portanto, não encher a boca e mastigá-los umas 30 vezes antes de degluti-los e saboreá-los é inteligente.
O importante é mudar a filosofia da família. Não levar para casa alimentos hipercalóricos; ingerir menores quantidades de alimentos de cada vez, consequentemente, de calorias, e aumentar regularmente as atividades físicas.
Os Alimentos industrializados – O Consumismo – E a Obesidade
Essa ascensão vertiginosa da obesidade no mundo vem do último pós-guerra mundial (2ª guerra), em que as economias dos principais países ricos estavam em baixa e precisavam reerguer-se. É sabido que durante as guerras, muitas descobertas, muitos avanços tecnológicos acontecem. Além disso, quem produz precisa vender. Assim, as indústrias se adaptaram, começaram a produzir em ritmo acelerado e impulsionaram o comércio e a publicidade, que se tornou cada vez mais criativa e dissimulada.
Nesse ambiente, as multinacionais de produtos alimentícios espalharam o leite em pó enlatado pelo mundo, incluindo países em que reinava a miséria e altíssimos índices de desnutrição infantil.
A propaganda convencia a maioria, com grandes fotos de lindos bebês e de mães emagrecidas e com seios flácidos, que o leite enlatado, além de cômodo, era melhor para ambos: mãe e filho. Ter leite em pó em casa era sinal de poder. Até mesmo em famílias que só podiam comprar, por exemplo, uma lata por semana e tendo duas ou mais crianças.
O leite em pó enlatado vencia. Fazia-o render, com mais água e muita desnutrição e aumento da mortalidade infantil.
Isso desestimulou muito o aleitamento materno e, até hoje, seus índices não voltaram ao ideal, embora tenham melhorado nos últimos anos, no Brasil, pelas campanhas das sociedades de pediatria em todos os níveis de alcance, e mesmo sendo hoje estabelecido que a amamentação ao seio é um protetor contra a obesidade.
“O leite em pó enlatado” é apenas um exemplo de um consumismo e seus males. A partir desse ponto é fácil entender como quase todos os produtos alimentícios passaram a ser enlatados; embalados em vidros, caixas de papelão, de plásticos, de papel metalizado entre outros e de todos os tipos e tamanhos: alimentos em pó; triturados finos e grossos; in natura, temperados, pré-cozidos, congelados.
As embalagens cada vez mais coloridas, com desenhos convidativos, ou fotos de heróis, de bichinhos, artistas, atletas. Nos fast-food, deliverys, shoppings, etc., predominam alimentos ricos em gorduras, massas, açúcar e sal, e são ofertados em porções cada vez maiores, como promoções. As pessoas acabam comendo mais e pior. As crianças querem voltar com frequência a esses lugares, pois esperam ganhar novos brindes.
Do outro lado, os pais têm o hábito de dizer sim a qualquer coisa que a criança peça para comer… E não se perguntam se isso terá significado na vida futura do filho(a). A vida continua e a obesidade cresce silenciosa. “Todos esses alimentos representam hoje o leite em pó enlatado de 60-70 anos atrás.” O importante é vender. É o consumismo desenfreado, desrespeitoso, desumano, que avança e cresce em todos os países e níveis sociais. É urgente uma mudança radical nessas relações.
Obesidade: Desafio da Atualidade
Em primeiro lugar, aceitarmos todos, conscientemente, que a obesidade é uma doença crônica grave e que avança no mundo epidemicamente. Que estamos diante de um desafio.
Sendo a obesidade uma “epidemia”; um grave problema de saúde pública, não será resolvida individualmente, mas por ações coletivas de toda a sociedade, duradouras, a longo prazo.
Todas as entidades médicas e afins ligadas à saúde, em todos os níveis: federais, estaduais, municipais, públicos ou privados, precisam sensibilizar os governos, a imprensa em toda sua ampla rede de comunicação, toda a sociedade civil, para campanhas de conscientização da população para a importância de uma mudança de comportamento, valorizando uma alimentação saudável, pobre em açúcares e gorduras e combatendo intensamente o sedentarismo, o comodismo, a inércia; este é um mal das populações urbanas.
É preciso lutar contra o consumismo exagerado. Que alimentos ricos em calorias e pobres nutricionalmente não sejam disponibilizados nas escolas ou promovidos pela mídia. Essa campanha terá que ser nacional, em todos os meios de comunicação e a longo prazo, nos moldes da “guerra” contra o tabagismo, que foi vitoriosa e um bom exemplo de que é possível vencer a obesidade. O foco das campanhas deve ser dirigido em grande parte às crianças e adolescentes, que serão os obesos de amanhã.
Naturalmente, cada cidadão obeso ou com excesso de peso deverá ser tratado individualmente; mas a prevenção global, a nova visão da população evitará que as crianças e jovens de hoje “não caiam na rede”; não perpetuem esse círculo vicioso. Significará a salvação de milhões de vidas, pessoas saudáveis, felizes. Não o contrário.
Os dados atuais são estarrecedores:
– Cada brasileiro consome em média 51 kg de açúcar por ano e contribui para a estatística de 35 milhões de pessoas que morrem por ano no mundo. Equivalente à população do Canadá.
– As crianças brasileiras passam, por dia, em média 3 horas na escola e 5 horas diante da TV/Computador. E quanto maior for esse número de horas/dia na TV, ou similares, mais cedo serão obesos.
– As autoridades constituídas, todos nós, devemos nos preparar para uma luta longa e árdua, mas fundamental, e que seja logo. Estamos dando os primeiros passos.
PS: chamou-me a atenção, nesses dias de setembro/2013, que o México havia ultrapassado os Estados Unidos em número de obesos e estava em 1º lugar no mundo com 32,8%, contra 31,8% dos EEUU, com seus já famosos obesos.
Uma liderança inglória.
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