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18 de junho de 2014 – ano 2015. Boletim Científico Online.
Cláudia Márcia de Resende Silva – presidente do Comitê de Dermatologia da SMP.
Nos últimos anos, tem-se observado um aumento na incidência dos cânceres de pele, sendo que a radiação ultravioleta A (RUVA) e a radiação ultravioleta B (RUVB) têm uma participação relevante na etiopatogenia dessas neoplasias.
A exposição crônica à radiação ultravioleta (RUV) é importante no desencadeamento do envelhecimento cutâneo e do carcinoma espinocelular. Já a exposição intermitente e aguda, comum no período de férias, tem um papel fundamental na gênese do melanoma e do carcinoma basocelular.
Vários estudos têm demonstrado que queimaduras solares, principalmente antes dos 10 anos de idade, constituem fator de risco para o desenvolvimento do melanoma. A infância e a adolescência são períodos vulneráveis para esses efeitos carcinogênicos já que 80% da exposição solar que um indivíduo recebe em toda a sua vida ocorre nos seus primeiros 18 anos de vida. Torna-se imprescindível, portanto, que a proteção solar seja iniciada precocemente na infância.
Enquanto o teor de RUVA sofre oscilações muito pequenas durante todo o dia, a RUVB apresenta incidência maior no período compreendido entre 10 e 16 horas. Outros fatores que determinam o aumento da RUV, em especial da RUVB, são a baixa latitude e a maior altitude. Apesar de a RUV ser mais intensa no verão, em um país tropical como o nosso ela é significativa durante todo o ano. O índice UV (IUV) é um parâmetro muito útil para avaliarmos a intensidade da RUV a que estamos expostos. Esse índice é classificado em números, sendo que valores superiores a 11 são considerados de dano extremo à saúde. (Quadro 1)

Além da intensidade da RUV, é fundamental considerar a susceptibilidade individual a esta radiação. Pessoas de pele, olhos e cabelos claros são mais sensíveis aos efeitos danosos da RUV por não produzirem melanina suficiente para sua proteção quando expostas ao sol. A classificação de Fitzpatrick é muito útil para avaliar essa susceptibilidade. (Quadro 2)

Desse modo, a orientação de proteção solar pode variar de acordo com a susceptibilidade do indivíduo, com a sua atividade laboral e de lazer e com a sua localização geográfica.
A proteção solar inicia-se com a educação das crianças quanto aos seus riscos e ao cuidado de não se expor ao sol nas horas de maior incidência de RUV, que é de 10 às 16 horas. A procura de locais com sombra é fundamental nesses horários. Areia, neve, gelo, vidros e metais podem refletir até 85% da RUV.
Outra forma de proteção é o uso de roupas adequadas. De uma maneira geral, as roupas escuras, de trama fechada, secas e de nylon ou poliéster protegem mais. Entretanto, já existem no mercado roupas com incorporação de filtro solar em seu tecido que aumenta muito a proteção. Nestes casos, a etiqueta da roupa determina a proteção a RUV (tanto para UVA e UVB), utilizando uma unidade de proteção solar (UPS) que deve ser maior que 30. O uso de chapéus de aba larga (maior que 7,5 cm) também é recomendado, além do uso de óculos com proteção para RUV.
O uso do filtro solar é mais um instrumento de proteção à RUV. Esses produtos, quando aplicados sobre a pele, vão absorver ou refletir os raios RUV. Subdividem-se em filtros orgânicos, que absorvem a RUV, e inorgânicos, que refletem a RUV. A maioria dos produtos disponíveis no mercado é uma combinação das duas modalidades. Os filtros exclusivamente inorgânicos são raros atualmente, mas são os preferidos para as peles muito sensíveis e dos lactentes (crianças entre os 6 meses e 2 anos de idade) por raramente causarem irritações ou reações alérgicas. Não se recomenda o uso de filtros solares em menores de seis meses de idade.
Um dos critérios para a escolha de um protetor solar é a sua eficácia, avaliada pelo fator de proteção solar (FPS). O FPS é uma razão entre a dose mínima de RUV necessária para produzir eritema em uma pele com e sem filtro solar. Quanto maior o FPS, maior a proteção contra a queimadura solar. Para avaliar a proteção da RUVA existem dois critérios que são utilizados em conjunto: comprimento de onda crítico igual ou maior a 370 nm, e o teste de fator de proteção-UVA (FP-UVA). Esse fator deve ser de pelo menos 1/3 do valor do FPS. Ou seja, um filtro solar adequado, de largo espectro com FPS 30, deve ter um FP-UVA de pelo menos 10.
Outros fatores influenciam na eficácia do produto. Um dos principais é o emprego de quantidades inferiores às preconizadas para uma proteção adequada.
O volume recomendado é de 2 mg/cm2. Considera-se que a maioria das pessoas utiliza um volume de 0,25 a 1 mg/cm2, o que reduz muito o fator de proteção solar. Para facilitar o cálculo, pode-se utilizar a regra da colher de chá.
Para um adulto aplicar o produto em todo o corpo ele deve utilizar de 5,5 a 6 colheres de chá com a seguinte distribuição: meia colher para cada braço, cabeça e pescoço e uma colher de chá para cada perna, tronco anterior e posterior. Deve-se prestar atenção em aplicar uma camada uniforme em toda a superfície corporal. O filtro solar deve ser aplicado 20 a 30 minutos antes da exposição solar e reaplicado a cada 2 horas de exposição solar.
Para a prática de esportes é necessário avaliar, no rótulo, se o produto é resistente à água. Um produto considerado resistente à água tem o seu FPS determinado após 40 minutos de imersão em água, já o muito resistente à água tem o seu FPS determinado após 80 minutos de imersão. O termo à prova d’água não deve ser utilizado.
Por último, não devemos nos esquecer da importância da RUVB na produção da vitamina D. A incidência de RUVB na pele é a principal fonte de vitamina D para o organismo. A produção de vitamina D na pele é influenciada pela cor da pele, idade, latitude, altitude, horário do dia e estação do ano. Peles escuras, pessoas idosas, inverno, horários extremos do dia (fim de tarde e início da manhã), altitudes baixas e altas latitudes são fatores limitantes para uma adequada produção de vitamina D. Outras variáveis, como estilo de vida e comorbidades como doenças crônicas e uso crônico de medicamentos, podem afetar a produção de vitamina D.
Uma proteção solar rigorosa pode reduzir a capacidade de produção de vitamina D, levando a uma deficiência. O risco é maior nos lactentes em aleitamento materno exclusivo, sem suplementação de vitamina D e de pele escura. Outras crianças de risco são as prematuras. Na impossibilidade ou dúvida de exposição solar, deve-se fazer a suplementação com 400 UI de vitamina D por dia. Uma dúvida muito comum é o tempo necessário de exposição solar para a produção da vitamina D. Considera-se que para uma produção adequada de vitamina D é necessária a exposição de 25% a 40% da superfície corporal a 0,25 da dose eritematosa mínima.
O quadro 3 demonstra os dados de um trabalho realizado em São Paulo por Correa et al., 2010. Relaciona o tempo necessário para produzir vitamina D de acordo com a hora do dia, superfície corporal exposta e cor de pele (fototipos II e IV) na época do verão.

Podemos observar, no quadro 3, que quanto mais próximo do horário do meio-dia e quanto maior a superfície corporal exposta, menor o tempo para a produção de vitamina D. Outro aspecto é que a pessoa morena (fototipo IV) leva o dobro do tempo em média para produzir a vitamina D quando comparada com a pessoa clara (fototipo II). Podemos deduzir que a pessoa de pele negra (fototipo VI) levaria o dobro de tempo da pessoa de pele morena (fototipo IV).
Um trabalho realizado em Belo Horizonte (Silva, 2008) demonstrou que a RUV é intensa mesmo nos meses de inverno com IUV variando de sete a 10. Entretanto, a faixa baixa de IUV, com valores de até 2, ocorre todos os dias durante algumas horas após o sol nascer e antes dele se pôr, além daqueles momentos em que uma cobertura de nuvens densas encobre o céu. Em Belo Horizonte, a quantidade média dessas horas diurnas de IUV baixo é de 5,3± 1,0 h/dia. Ou seja, antes das 9 horas da manhã e após as 16 horas da tarde não há RUV suficiente para produção da vitamina D.
Deve-se atentar a uma recomendação equivocada em relação à exposição solar para a produção de vitamina D. É a orientação de exposição solar antes das 9 horas da manhã para a produção da vitamina D. Além da RUVB ser insuficiente para este fim, a RUVA já está presente neste horário, aumentando o risco cumulativo da RUV.
Outro aspecto interessante é que a maioria das pessoas utiliza filtro solar em uma quantidade inadequada e de forma irregular. Um estudo demonstrou (Osterwalter et al., 2014) que o consumo médio de filtro solar per capita no Brasil foi de 49 ml por ano.
Seria a proteção solar bem orientada a vilã na produção da vitamina D? Outros fatores como hábitos de vida, fatores culturais, medicamentos em uso, doenças associadas não estariam influenciando a produção de vitamina D?
Referências bibliográficas:
- Corrêa, MP; Ceballos, JC. Solar Ultraviolet Radiation Measurements in One of the Most Populous Cities of the World: Aspects Related to Skin Cancer Cases and Vitamin D Availability. Photochem Photobiol, 86: 438-444, 2010.
- Osterwalter, U; Sohn, M; Herzog, B. Global State of Sunscreens. Photodermatol Photoimmunol Photomed, 30: 62-80, 2014.
- Sbd.org.br [internet]. Consenso Brasileiro de Fotoproteção, 2013 [acesso 27 maio 2014]. Disponível em: http://issuu.com/sbd.br/docs/consensob.fotoprote____oleigo-web?e=0/6449812
- Silva, AA. Medidas de radiação solar ultravioleta em Belo Horizonte e saúde pública. Rev Bras Geofis, 26: 417-425, 2008.
- Silva, CMR; Gontijo, B; Pereira, LB; Café, MEM. Fotoproteção na infância. Rev Med Minas Gerais, 15: 250-255, 2005.
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