Caxumba: atualizações sobre o tema

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Introdução

A Caxumba ou Parotidite infecciosa é uma doença viral aguda de alta morbidade e baixa letalidade, causada pelo vírus RNA da família Paramyxoviridae, gênero Paramyxovirus.1 Usualmente apresenta-se em surtos, que acometem mais as crianças, mas que não excluem adolescentes e adultos, sendo, nestes, mais severa. Caracteriza-se como cosmopolita, mas com tendência a se apresentar em maiores proporções em centros escolares e instituições onde há aglomeração de pessoas. Inverno e primavera são as estações de maior incidência da doença. 2

Os casos de parotidite esporádicos e isolados nem sempre se devem à infecção causada pelo vírus da caxumba; podem ser causados por outros vírus como parainfluenza do tipo 1 e 3, Epstein-Barr, influenza, coxsackie A, echovirus, vírus da coriomeningitelinfocítica e vírus da imunodeficiência humana (HIV). As causas não infecciosas, tais como drogas, tumores, doenças imunológicas e obstrução do ducto salivar, devem fazer parte do diagnóstico diferencial da doença.1-3

O objetivo deste artigo é fornecer informações essenciais aos profissionais de saúde sobre a caxumba, devido à ocorrência de surtos em Minas Gerais, no presente ano e discutir a importância da vacinação de rotina contra a caxumba como a forma mais indicada de prevenção individual e de surtos da doença na população.

caxumba hipertrofia de glândulas salivares

Epidemiologia

A transmissão do vírus da caxumba ocorre por via aérea, pela própria saliva do indivíduo infectado ou por gotículas disseminadas. Raramente, pode ocorrer através de objetos contaminados com a secreção do nariz ou boca.1 O período de transmissibilidade se inicia uma semana antes do aparecimento dos sintomas e finaliza cerca de dez dias após o início do quadro clínico.2 O período de incubação é, geralmente, de duas semanas, variando entre 12 a 25 dias.3,4

A caxumba é uma doença endêmica em grandes centros, onde há aglomeração de pessoas, principalmente nos países que não fazem uso rotineiro da vacina, como Japão e Inglaterra. As estações de maior ocorrência dos surtos geralmente são primavera e inverno.  Mesmo com a utilização da vacina no Brasil ainda são relatados vários surtos em diversos estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais (MG). 1,2 Desde 2001, a doença é de notificação compulsória em MG; em 2016, foram notificados mais de dois mil casos e, em 2017, já foram relatados surtos nas regiões sudeste e sul do estado.5

Quadro Clínico

A principal manifestação da doença é o aumento das glândulas salivares, como sublinguais, submaxilares e, principalmente, a parótida, acompanhado de febre, cefaleia, mialgia, hiporexia e dor à mastigação e ingestão de líquidos ácidos. Alguns casos de infecção evoluem de forma oligossintomática. A parotidite tem resolução espontânea, com redução do volume glandular em até 14 dias após o início dos sintomas.1-3  Em 30% dos casos não há hipertrofia visível das glândulas. O vírus da caxumba possui tropismo pelo sistema nervoso central; por isso, encefalite, meningite asséptica e ataxia cerebelar são complicações secundárias possíveis, que devem ser monitoradas. Em crianças menores de cinco anos é comum a presença de sintomas de vias respiratórias. A perda neurossensorial da audição pode ocorrer em 20% dos casos.1,3,4 No primeiro trimestre de gestação a infecção pode ocasionar morte fetal e abortamento.2,4

Nos adolescentes e adultos, as manifestações clínicas são mais intensas: até um terço dos homens podem apresentar orquiepididimite; 15% das mulheres evoluem com  mastite e, em 5% dos casos, ooforite.1

Figura 1 – Criança com hipertrofia de glândulas salivares devido infecção pelo vírus da caxumba

quadro clínico caxumba
Fonte: CDC Public Health Image Library (1976)6

Diagnóstico da Caxumba

O diagnóstico é clínico-epidemiológico. O hemograma geralmente não apresenta alterações, exceto nos casos complicados, nos quais pode ocorrer leucocitose. A amilase sérica pode estar elevada. 2- 4

Apesar de não serem utilizados rotineiramente, o isolamento viral ou a reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR) de amostras de swab bucal, saliva e líquor podem ser usados para a confirmação da doença. A sorologia deve ser realizada com amostras pareadas, sendo a primeira colhida na fase aguda da doença e, a segunda, 15 a 20 dias após. A elevação de títulos de IgG maior que quatro vezes confirma o diagnóstico. Em indivíduos vacinados esse aumento pode não ser observado, portanto, um teste negativo não descarta a infecção. 2-4

Tratamento

Por se tratar de uma doença autolimitada, o tratamento da caxumba é sintomático, com orientações para hidratação, dietas com restrição de alimentos ácidos, repouso e evitar o comparecimento a locais com aglomerações (como, por exemplo, escolas) durante nove dias após início da doença. Se ocorrer internação, as precauções contra doenças transmitidas por via aérea devem ser instituídas.1,4

Vacina

A prevenção mais indicada contra a doença é a vacinação. Todas as crianças e adolescentes até 19 anos de idade devem ter duas doses de vacina. O Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde recomenda a aplicação de uma dose da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) aos 12 meses de idade, e, aos 15 meses, a aplicação da tetraviral (tríplice viral associada à varicela). Por ser composta por vírus atenuado, a vacina está contraindicada em gestante e imunodeprimidos.4,7 Indivíduos de 20 a 49 anos de idade que não apresentarem comprovação vacinal devem receber uma dose da vacina tríplice viral.1

Nos surtos, o bloqueio vacinal deve ser realizado no local de ocorrência, após avaliação do passado vacinal dos envolvidos. Considera-se vacinado o indivíduo que apresenta duas doses comprovadas da vacina contra a caxumba. Pessoas de 20 a 49 anos de idade que forem contatos de casos de caxumba e que tenham recebido somente uma dose de vacina devem receber dose adicional.4,7

A eficácia da vacina tríplice viral, para o componente da caxumba, é de 88% para crianças e adolescentes vacinados com duas doses e 78% para apenas uma dose.8,9 Não há recomendação formal para que se realize terceira dose, na rotina ou em surtos.8,10 A falha vacinal, caracterizada pelo adoecimento de indivíduos vacinados, pode ocorrer de forma primária, por não-imunização com a primeira dose (por exemplo, por má conservação da vacina) ou de forma secundária, por redução da imunidade ao longo dos anos.7-9 As razões que motivam a falha secundária não são claras. Sabe-se que os anticorpos neutralizantes produzidos após a vacinação são essenciais para o sucesso da imunização, mas tentativas repetidas de definir um título de limiar de proteção para a caxumba foram inconclusivas. A resposta imune contra o vírus da caxumba (seja ele selvagem ou vacinal) parece inerentemente fraca, o que pode ocorrer por vários fatores: baixa patogenicidade viral, ativação pouco funcional de linfócitos B de memória específicos para o vírus, resposta inadequada das células T. A mutação do vírus da caxumba também pode ser uma explicação plausível para os surtos. Embora existam 12 genótipos virais conhecidos, há apenas um sorotipo, o que significa que o anticorpo gerado em resposta à infecção contra uma cepa pode reconhecer a maioria das outras cepas geneticamente variáveis. Entretanto, em experimentos in vitro, ocorre uma variação individual na quantidade de anticorpos necessária para neutralizar cepas de caxumba geneticamente diversas, possivelmente devido a uma sutil variação nos epítopos neutralizantes. Por isso, à medida que ocorre redução do título de anticorpos em um indivíduo previamente vacinado, ele torna-se susceptível à infecção. Existem ainda casos reportados de reinfecções de caxumba do tipo selvagem, ou seja, a infecção não confere imunidade duradoura.9,11

Em casos de surtos, como os que aconteceram recentemente em MG, os indivíduos acometidos podem ter a doença devido a uma combinação dos fatores descritos acima. Reforça essa hipótese a faixa etária dos pacientes acometidos, prioritariamente adolescentes e adultos jovens (nos quais ocorre naturalmente a redução da imunidade com o passar do tempo), submetidos a uma alta intensidade da exposição (atividades diárias em aglomerados como colégios e universidades) e com baixa cobertura vacinal, considerando a aplicação de duas doses da vacina.8-10 Entre 2013 a 2015, foi realizado estudo no estado do Rio de Janeiro demonstrando que a vacinação em crianças não atingiu a meta de 95% de cobertura para a segunda dose na maioria das regiões pesquisadas.2

Embora a eficácia da vacina contra caxumba seja baixa quando comparada às demais vacinas disponíveis, a proteção proporcionada é valiosa e importante. A alta cobertura vacinal possibilita a eliminação da doença endêmica e a redução dos surtos, limita a propagação do vírus para aglomerados populacionais e reduz a frequência de complicações.

Autoras:

Gabriela Araujo Costa

Infectologista Pediátrica. Mestre em Clínica Médica e Biomedicina. Diretora Adjunta de Comunicação da Sociedade Mineira de Pediatria. Professora do Núcleo de Pediatria da Faculdade de Medicina do UNI-BH. Referência Técnica da Gerência de Epidemiologia do Distrito Sanitário Oeste (Prefeitura de Belo Horizonte).

Hívina Moreira Tarabal

Acadêmica do sétimo período da Faculdade de Medicina do UNI-BH.

Isabela Gontijo e Couto

Acadêmica do sétimo período da Faculdade de Medicina do UNI-BH.

Maria Clara Argolo

Acadêmica do sétimo período da Faculdade de Medicina do UNI-BH.

Referências:

  1.  Brasil. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Caxumba  [Internet]. Brasília, 2017. Acesso em 05/03/2017. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/leia-mais-o-ministerio/626-secretaria-svs/vigilancia-de-a-a-z/caxumba/11186-descricao-da-doenca
  2. Ballalai I, Petraglia TCMB, De Carvalho AP. Nota Técnica de Caxumba; 2015 [Internet].Sociedade Brasileira de Pediatria. Rio de Janeiro, 2012. Acesso em 20/03/2017. Disponível em: http://www.sbp.com.br/src/uploads/2012/12/Nota-Tcnica-Caxumba-SOPERJ-SBIm-SBP.pdf
  3. Martins, MA. Caxumba. In: Leão E, Correa, EJ, Mota JAC, Viana MB. Pediatria Ambulatorial. 5 ª edição. Belo Horizonte: Coopmed; 2013, p.513-16.
  4.  Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Gerência de Atenção à Saúde Gerência de Vigilância em Saúde e Informação Secretária Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Nota Informativa nº01/2016. CIEVS/GEEPI/GVSI. Surtos de Caxumba em Belo Horizonte/2016. 11 de julho de 2016.
  5.  Brasil. Ministério da Saúde/SE/DATASUS. SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Caxumba – Notificações Registradas: banco de dados [Internet]. Acesso em 30/03/2017. Disponível em: www.saude.gov.br/sinan
  6.  Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Public Health Image Library (PHIL). Atlanta(GA), USA; Nov 2016. Acesso em 23/03/2017. Disponível em: https://phil.cdc.gov/phil/details.asp
  7.  Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de Normas e Procedimentos para Vacinação. 2014. 3ª edição. Brasília (DF): Fundação Nacional de Saúde; 2001, p.103-4.
  8. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Mumps Cases and Outbreaks [Internet]. Atlanta(GA): USA; 2016. Acesso em 12/03/2017. Disponível em: https://www.cdc.gov/mumps/index.html
  9. Latner DR, Hickman CJ. Remembering Mumps [Internet]. PLoS Pathog 2015;11(5): e1004791. Acesso em 20/03/2017.  Disponível em: http://journals.plos.org/plospathogens/article?id=10.1371/journal.ppat.1004791
  10. Albertson JP, Clegg WJ, Reid HD, Arbise, BS, Pryde J, Vaid A, Thompson-Brown R, Echols F. Mumps Outbreak at a University and Recommendation for a Third Dose of Measles-Mumps-Rubella Vaccine  [Internet] — Illinois, 2015–2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. Jun 2016; 65:731–4 . Disponível em: https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/65/wr/mm6529a2.htm 
  11. Kuwabara N, Ching MS. A Review of Factors Affecting Vaccine Preventable Disease in Japan [Internet]. Hawaii J Med Public Health. 2014; 73(12): 376–1. Acesso em 12/03/2017. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4300546/

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