Sulfato de Magnésio para Neuroproteção Fetal

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20 de fevereiro de 2014 – ano 2 – nº 11. Boletim Científico Online

Márcio Pablo Pires Martins Miranda e Vanessa Devitto Zakia Miranda – Comitê de Neonatologia e Reanimação Neonatal da SMP

magnésio

As estimativas mais recentes do Ministério da Saúde indicam uma mortalidade infantil no país na faixa de 14,6 por 1000 nascidos vivos, sendo a mortalidade neonatal (recém-nascidos até 28 dias de vida) responsável por quase 70% deste total. A prematuridade contribui com uma parcela importante destes números, sendo a principal causa de morbi-mortalidade perinatal em todo o mundo. Com a melhora da assistência neonatal, a incidência de prematuros e a sobrevida destes bebês têm aumentado consideravelmente, mesmo aqueles prematuros com idade gestacional extrema. É um grande desafio para os neonatologistas a inserção destas crianças na sociedade, com qualidade de vida e produtividade.

 Os casos de paralisia cerebral decorrentes desta prematuridade também vêm aumentando com a melhora desta sobrevida. Aproximadamente 42% a 49% destes casos estão associados ao parto pré-termo. Entende-se como paralisia cerebral um grupo de distúrbios de movimento e/ou postura que incluem achados como retardo motor, persistência de reflexos primitivos, alterações posturais e outros sinais neurológicos.

O sulfato de magnésio (MgSO4) usado em gestantes, nos casos em que há expectativa de que ocorra um parto prematuro, tem provocado uma diminuição no risco de paralisia cerebral e de disfunções motoras graves nos recém-nascidos. O exato mecanismo de ação do sulfato de magnésio, que contribui para estes achados, ainda não está totalmente esclarecido. Existem teorias que acreditam que o sulfato de magnésio possa agir como antagonista do cálcio, reduzindo seu influxo para as células e diminuindo, assim, os efeitos maléficos da encefalopatia hipóxico-isquêmica. Além disso, são consideradas funções de proteção celular contra ação de radicais livres, vasodilatação e redução da instabilidade vascular e diminuição do dano celular induzido por citoquinas.

As evidências do efeito neuroprotetor do MgSO4 incluem muitos estudos heterogêneos, tendo sido publicado em 2013 uma revisão na Cochrane Library, que analisou cinco estudos randomizados controlados (6.145 recém-nascidos). O tratamento pré-natal com sulfato de magnésio administrado às mulheres com risco de parto prematuro reduziu de maneira significativa o risco de paralisia cerebral no recém-nascido (RR: 0,68; IC: 0,54-0,87). Houve também uma redução significativa na taxa de disfunção motora grosseira (RR: 0,61; IC: 0,44-0,85). Não foram detectados efeitos significativos existentes sobre a mortalidade pediátrica (RR: 1,04; IC: 0,92-1,17). Em geral, não houve efeitos significativos no desfecho morte e paralisia cerebral (RR: 0,94; IC: 0,78-1,12). O risco geral de paralisia cerebral foi de 3,7% no grupo que recebeu MgSO4, versus 5,4% no grupo-controle, com redução no risco absoluto de 1,7%. Devido a esta diminuição e aos efeitos benéficos do sulfato de magnésio sobre a função motora grosseira, concluiu-se que o seu uso ajuda a proteger o cérebro do recém-nascido prematuro.

Outros estudos que compararam um grupo controle a outro exposto ao sulfato de magnésio não encontraram redução no risco de cegueira, surdez, índice de Apgar, hemorragia ventricular, leucomalácia, convulsões neonatais e permanência em suporte ventilatório.

Os estudos incluídos na revisão da Cochrane Library utilizaram doses diferentes do sulfato de magnésio, assim como tempo de uso e período gestacional em que foram administrados.

O Australian National Clinical Practice Guidelines (Antenatal Magnesium Sulphate for Neuroprotection Guideline Development Panel), publicado em 2010, orienta o uso do MgSO4 com dose de ataque de 4 g e manutenção de 1 g/h. Recomenda-se o uso em gestações com menos de 30 semanas. O American College of Obstetricians and Gynaecologistis (ACOG) informou, em março de 2010, que o uso do MgSO4 durante o parto pré-termo reduz o risco de paralisia cerebral, não opinando quanto à idade gestacional e a dose a ser administrada. A diretriz clínica da Society of Obstetricians and Gynaecologistis of Canada (SOGC), publicada em 2011, orienta o uso de MgSO4 na dose de 4 g de ataque e manutenção de 1 g/h em gestações com idade gestacional ≤ 31 semanas e 6 dias.

De uma maneira geral, as gestantes com idade gestacional entre 24 semanas (viabilidade fetal) e 32/33 semanas são candidatas ao uso do MgSO4. Deve-se iniciá-lo imediatamente quando se prevê que o parto possa ocorrer nas próximas 24 horas, ou antes de se realizar interrupção eletiva da gestação prematura. Sugere-se a dose de ataque de 4 g e manutenção de 1 g/h, por apresentar menor número de efeitos colaterais e riscos maternos com eficácia na neuroproteção. A infusão deve ser descontinuada se o parto não ocorrer nas próximas 24 horas. Recomenda-se o tempo mínimo de 3 horas antes da interrupção eletiva da cesariana.

 O MgSO4 é contra-indicado em casos de miastenia grave, defeitos de condução cardíaca e doenças com comprometimento miocárdico. A dose deve ser ajustada em pacientes com insuficiência renal.

Os efeitos colaterais maternos são bem conhecidos e incluem diaforese, fogachos, náuseas, cefaleia e parada cardiorrespiratória devido toxicidade. No feto, o MgSO4 pode causar pequena queda na linha de base da frequência cardíaca na cardiotocografia, sem significado clínico. Em neonatos, podem ocorrer alterações na avaliação neurológica, hipotonia e apneia.

Existem evidências insuficientes para assegurar eficácia e segurança do uso do sulfato de magnésio para neuroproteção em bebês a termo.

Os trabalhos científicos existentes comprovam que o uso de MgSO4 no trabalho de parto pré-termo diminui a ocorrência de paralisia cerebral moderada/grave e de disfunção motora grave na criança. Considerando a importância destes desfechos e a segurança no uso de MgSO4, recomenda-se a sua administração para neuroproteção fetal, visando uma melhor qualidade de vida para os bebês prematuros.

Referências bibliográficas:

  1. ACOG – American College of Obstetricians and Gynecologists. Committee on Obstetric Practice; SMFM – Society for Maternal–Fetal Medicine. Committee Opinion No. 455: Magnesium sulfate before anticipated preterm birth for neuroprotection. Obstet Gynecol n.115, p.669–71, 2010.
  2. ARCH – Australian Research Centre for Health of Women and Babies. The Antenatal Magnesium Sulphate for Neuroprotection Guideline Development Panel. Antenatal magnesium sulphate prior to preterm birth for neuroprotection of the fetus, infant and child: National clinical practice guidelines. Adelaide: The University of Adelaide, 2010. [www.adelaide.edu.au/arch/].
  3. BAIN, E., MIDDLETON, P., CROWTHER C. A. Different magnesium sulphate regimens for neuroprotection of the fetus for women at risk of preterm birth. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue 1, 2013. Art. No. CD009302. DOI: 10.1002/14651858.CD009302.pub2
  4. DOYLE, L. W., CROWTHER, C. A., MIDDLETON, P., MARRET, S., ROUSE, D. Magnesium sulphate for women at risk of preterm birth for neuroprotection of the fetus. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library, Issue 1, 2013. Art. No. CD004661. DOI: 10.1002/14651858.CD004661.pub3
  5. NGUYEN, T. M. N., CROWTHER, C. A., WILKINSON D., BAIN E. Magnesium Sulphate for Women at Term for Neuroprotection of the Fetus. Cochrane Library, Issue 11, Art. No. CD009395. DOI:10.1002/14651858.CD009395. pub2.
  6. RCOG – Royal College of Obstetricians and Gynaecologists. Magnesium Sulphate to Prevent Cerebral Palsy following Preterm Birth: Scientific Impact. Paper No. 29, August 2011.
  7. THE Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada. SOGC Practice Guideline No. 259: Magnesium Sulphate for Fetal Neuroprotection J. Obstet. Gynaecol. Can. v.33, n.5, p.516–529, 2011.

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